domingo, 7 de junho de 2020

Outra forma de pressão social

Fazendo uma retrospetiva, foram residuais as situações em que senti algum tipo de pressão social para constituir família. Posso até dizer que fui incentivada umas quantas vezes para o contrário.
Depois de ter aberto a porta à PMA e partilhado a minha história a diferentes pessoas, umas mais próximas que outras, deparei-me com um tipo de pressão cada vez mais acentuado. A mais óbvia, completamente previsível, é a clássica questão se já ponderámos a adoção. O mais habitual é o interlocutor ser alguém que não tem muito conhecimento sobre a procriação medicamente assistida ou adoção. A tendência mais recente, que tem crescido a um ritmo alucinante é, se a ovodoação faz parte dos nossos planos. Essa questão normalmente é colocada por alguém que passa/passou por um processo de infertilidade.

Quem pergunta quando é que a família cresce não o faz, à partida, com má intenção. Da mesma forma, o tema da adoção ou ovodoação não surge com caráter pejorativo. Vem numa tentativa de, alguma forma, ajudar ou dar conforto. Há dias contudo, em que qualquer uma dessas questões maça um pouco a paciência, podendo aumentar a dor emocional causada pelo fracasso. A forma como se reage quando se é interpelado depende de cada um e da disposição em que se encontra na altura em que é confrontado.

Vou fazer pela n-ésima vez algumas considerações sobre este assunto. A adoção, assim como a doação de gâmetas/embriões não estão no nosso horizonte.
A ovodoação nunca nos foi sugerida pelos vários profissionais que nos têm acompanhado e não me refiro só à equipa de PMA do HSJ. O que vou escrever a seguir pode ser mera especulação para justificar a insistência dos profissionais nos nossos gâmetas. Estou no extremo oposto da falência ovárica. A poucos dias de fazer 40 anos a minha AMH era superior a 10. A qualidade ovocitária pode não ser catastrófica por algumas razões: em 3 processos de estimulação houve 20 embriões aparentemente aptos para transferir. A taxa está certamente acima da média. Até à data, apenas três embriões deixaram de evoluir após desvitrificação. Vale o que vale. Outro aspecto que pode indiciar baixa qualidade dos ovócitos é a prevalência de aneuploidias. Ora, dos 12 primeiros embriões transferidos, sei que um era euploide, a minha menina. No rastreio de aneuploidias a 5 embriões, 3 eram normais. Acho esse resultado bom, considerando que se tratou da estimulação realizada em idade mais avançada. Não me sai da cabeça que uma parte considerável dos embriões anteriores poderia ser também euploide mas nunca o saberei. Em relação às perdas precoces, estas podem dever-se a lacunas na qualidade dos gâmetas que originaram os embriões, é um facto. Uma das indicações para a doação de ovócitos é o insucesso em diversas tentativas no entanto, apesar do meu historial, ninguém sugeriu essa alternativa.

Em conversa com o meu marido, se calhar ainda nem estávamos a meio de todas as desilusões com que fomos "presenteados", toquei no assunto da ovodoação. Fiz eu a abordagem, porque estou muito mais dentro do assunto da PMA do que ele. Preparei-o para a eventualidade de algum dia um médico falar dessa opção. Refletimos em conjunto, falámos novamente da adoção e acordámos continuar a tentar com as nossas células enquanto tivéssemos disposição para tal. Estranho seria se, depois de tantos anos e tentativas, nunca tivéssemos analisado a viabilidade de outras alternativas, mesmo sem estas terem sido equacionadas pelos profissionais. Mantivemos ao longo do tempo a nossa intenção e estamos tranquilos quanto a isso.

É curioso que na maior parte das vezes que me perguntaram se ponderámos a doação de gâmetas referiram-se aos ovócitos e não aos espermatozóides. Nesta equação somos dois e não vamos colocar a causa apenas a recair sobre mim. Apesar do meu marido ter uma filha, jovem adulta, os espermatozóides dele podem não ter a dita qualidade adequada para gerar embriões que evoluem sem problemas.

A infertilidade idiopática é irritante. Questiona-se tudo e não se conclui nada.

Resumindo: sim, obviamente discutimos entre nós se íamos enveredar pela ovodoação e não, não vamos.

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