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terça-feira, 4 de agosto de 2020

A despedida possível

Fui esta manhã doar um saco de medicação, seringas e agulhas de canetas. Houve nova reestruturação do acesso ao HSJ que está mais restritivo e burocrático. Depois de mais de meia hora para conseguir autorização para ir ao piso 3, entreguei o saco. Levei mais medicação do que pensava inicialmente, em quantidade e variedade. A minha S. da receção deve estar de férias, não tive oportunidade de me despedir dela. Estive com duas das enfermeiras que foram sempre muito queridas, falámos um pouco. Uma delas não sabia que eu tinha esgotado os embriões, porque gozou as férias durante a altura em que fiz a TEC. Devido ao bichito microscópico não deverei ter consulta para formalizar a alta mas ainda assim perguntaram se tinha alguma dúvida para colocar às médicas. Disse que não valia a pena, porque não ia fazer mais nada depois desta transferência.
Foi assim que terminou o meu acompanhamento no HSJ, cinco anos e meio depois de ter lá a minha primeira consulta.

Numa próxima altura que vá a uma farmácia, vou levar todas as seringas e agulhas da fotografia que publiquei no dia do beta. É assim que vou soltando as amarras que me prendem à infertilidade.

Mudei de planos em relação ao curso que tinha pensado tirar. Esse vai ser a minha segunda opção se não conseguir vaga numa licenciatura que pode abrir mais o leque de saídas profissionais relativamente ao curso em que andava de olho. Se tudo correr bem, irei ingressar numa segunda licenciatura, desta vez em modo Bolonha, numa área para a qual mais de 60% da minha formação de base é comum. Não vou pedir equivalências, quero fazer tudo de raiz, porque terminei a anterior licenciatura há muitos anos e preciso de fazer refresh/atualizar-me. Se, por um lado, há partes do meu corpo que não funcionam como desejaria, já as minhas faculdades mentais continuam em alta. Nesse aspeto estou segura de mim e espero que me venham a ser úteis. Há anos que ansiava voltar a estudar, tanto para minha realização pessoal como para tentar mudar o rumo da vida profissional. Acho que tenho potencial para mais do que aquilo que tenho feito. Se voltasse à minha juventude teria enveredado pela investigação. Fui totó e segui pela via socialmente mais frequente. Entretanto vieram as romarias aos hospitais e acabei por me dedicar na maior parte do tempo a trabalhos ultra precários, de caráter temporário, para conseguir compatibilizar com as inúmeras manhãs passadas em salas de espera. O meu vencimento médio dos últimos 5 anos tem sido muito abaixo do SMN. Fiz esse sacrifício a pensar que poderia valer a pena, porque tinha esperança que um dia um dos tratamentos ia resultar. A realidade, no entanto, foi diferente e cruel. Perdi em várias frentes mas posso dar-me por afortunada por não ter perdido também o casamento.

sexta-feira, 31 de julho de 2020

Regresso a mim

Segunda-feira passada foi mais uma prova de que há coisas que não estão ao alcance de todos. Ainda tinha reserva de uma solução de cloreto de sódio escondida para os lados dos meus olhos e libertei-me. Não me coibi, embora muitas vezes nos censuremos a nós mesmos, como se chorar fosse algo reprovável. Extravasei a mágoa não por ter acabado mas por me sentir profundamente desapontada por se ter extinguido a esperança, que foi o motor que me levou a aguentar tudo.
Mal vi o resultado, descarreguei o ficheiro e enviei para o hospital. Pouco tempo depois o negativo foi validado e dada a indicação para suspender a medicação. Fui também informada de que será solicitado às médicas o relatório da TEC e que o mesmo ser-me-á enviado por correio. Suponho que é assim que termina. Não falei com ninguém, não sei se vai haver um momento para se para ter alta. Respondi ao e-mail para perguntar se aceitavam o Lovenox que tenho aqui, assim como vários comprimidos que me sobraram. No dia seguinte uma das enfermeiras telefonou-me a confirmar que podia ir lá levar. Acho que a opção pelo telefonema, em vez de um simples e-mail para dizer que aceitavam, foi intencional. Era a enfermeira com quem tinha mais empatia, até porque somos oriundas de localidades próximas e metia-se sempre comigo por causa de uma lenda em torno de umas personagens lá da terrinha. Esse encontro em que irei levar o saco com a medicação será provavelmente a despedida. Era para ter ido ainda esta semana mas o problema elétrico que houve no dia da TEC resulta de algo grave no prédio, que me faz recear deixar a gata sozinha em casa, por existir risco de curto circuito e incêndio. Há dois dias danificaram-se dois equipamentos, a situação pode piorar enquanto não for feita uma intervenção em condições. Vou tentar ir ao hospital na próxima semana, num dia em que o meu marido esteja de folga e possa ficar aqui em casa.

Estou a tratar da viragem da página. Hoje veio a hemorragia de privação acompanhada de dor. O meu próximo passo é voltar a pensar em mim enquanto mulher amenorreica que está com 40 anos e precisa de saber o que é melhor na sua idade. Vou então marcar uma consulta de ginecologia. O foco vai deixar de ser a infertilidade. Pretendo impor alguma ordem no meu interior de funcionamento duvidoso, reduzindo ao máximo a probabilidade de vir a ter alguma patologia de caráter oncológico nestes órgãos inúteis. Por falar em consulta, parece que finalmente vou a gastroenterologia. Dizem que é no dia 6 de agosto mas só acredito quando estiver frente a frente com o médico.

Com a confirmação do negativo fiquei livre para me candidatar ao curso em que andava interessada. Ainda não formalizei, pois estou a aguardar que a instituição me diga se posso contactar com algum responsável do curso. Quero saber algumas informações concretas que vão determinar se vou para a frente com esta decisão.

Em relação ao blogue não quero que ele fique por aqui como o projeto de vida que levou à sua criação. Não sei bem o que fazer com ele mas alguma coisa há de surgir.

Não posso deixar de agradecer todas as palavras que me foram dirigidas, o apoio imenso que tive por tanta gente que acompanhou a minha história. Acredito que se não me tivesse ligado ao mundo digital em busca de respostas, partilhado ideias e não fizesse esta terapia de escrita, o meu caminho teria terminado há mais tempo. Apesar do desfecho considero que há alguns conselhos que posso dar. Se não houver nenhum impedimento, não baixem os braços num primeiro infortúnio. Não se limitem a usufruir do que a ciência oferece. Sejam interventivos(as) e contribuam para o seu progresso. Os estudos não aparecem todos os dias mas andam a fazer-se. Participem se tiverem possibilidade para tal e corresponderem aos critérios de seleção. Tenho vindo a insistir neste assunto, porque não creio na palavra sorte.

Se alguém que me está a ler se encontra na fase de ponderação entre continuar ou parar, deixe-me lembrar de uma coisa. A decisão não é feita em função do que outros possam pensar. Quando paramos é para dar uma oportunidade a nós mesmos de continuarmos a existir e renascermos.

Fui mãe de uma ideia durante 8 anos e 8 meses. Dediquei-me a isso de corpo e alma, de uma forma que jamais imaginei que fosse acontecer. Fiz, no fundo, aquilo que as mães fazem. A diferença é que não passou de uma ideia. Pus a mão na consciência e percebi que não podia deixar que a minha vida continuasse assim. Cada passo que correu mal aniquilou-me aos poucos até perceber que nada fazia sentido. Assim como na morte do meu pai e após todas as vezes que perdi um filho, a vida não pára, até ao limite do que as nossas células aguentam. Por muito que custe, temos de reescrever a nossa história.