quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Venha 2021, seja lá o que isso significa

Nós somos como livros, analisamos a vida como se ela fosse dividida em capítulos. Estes podem estar associados a períodos um pouco alargados, a anos concretos, a acontecimentos.

Antes de termos entrado em 2020 eu olhava para o número e achava-o bonito. Não sei se por ter nascido num dia par de um ano par enfim, coisas sem qualquer importância. Apesar de simpatizar com o aspeto do número, sabia que a carga associada à entrada no ano em causa ia ser decisiva no projeto da minha existência que se veio a tornar um flop. O encerramento desse fracasso ocorreu com alguma atribulação fruto da pandemia, de uma forma seca. Não caí sobre uma rede, esbardalhei-me diretamente no chão, rastejei até encontrar algo a que me agarrar e tenho estado a reerguer-me. Há mazelas das quais me estou a recuperar, porque não vivi a infertilidade com ligeireza. Poucas semanas depois do tombo comecei a lutar pelo plano de recuperação que andava a delinear, caso se confirmasse que todo o meu esforço tinha sido em vão e consegui dar-lhe início.

Para mim a entrada num novo ano implica praticamente a mudança para um incremento de um ano na minha idade. Daqui a uns dias o meu contador muda para 41 e estará quase concluído o primeiro semestre do projeto que tentará transformar em dias um pouco melhores aqueles que irei viver no seio da família.

Em 2020 parei de tentar ser mãe, a minha filhota do coração licenciou-se e começou a trabalhar, fui tia pela primeira vez, comecei nova licenciatura, passei ainda mais tempo em casa. 

Não vou fazer grandes resoluções de ano novo. Ambiciono concretizar com sucesso os meus compromissos diários, ter força para suportar adversidades que espero que não surjam e ser agradavelmente surpreendida com coisas inesperadas.

Quero, acima de tudo, saúde para todos.

Bom 2021!

domingo, 27 de dezembro de 2020

Entrevista completa (Semana da Tiróide - maio de 2020)

Estava a organizar algumas coisas no computador e na pasta de vídeos tinha arquivada a entrevista que dei à agência de comunicação que realizou a campanha da Semana Internacional da Tiróide. Quando fiz a publicação da campanha que foi divulgada em diferentes canais de comunicação, disse que iria colocar aqui a versão completa trabalhada pela agência.

Como estava com auriculares (camuflados pela longa cabeleira de confinamento) não se ouvem as questões mas dá para entender o conteúdo por aquilo que estou a dizer. A única edição que fiz neste vídeo foi a junção das respostas, porque havia alguns momentos sem qualquer interação, quando estava a ouvir as perguntas que me eram colocadas. Não há banda sonora, nem nenhum efeito. A gravação foi realizada com o meu telemóvel, enquanto decorria uma chamada por Skype (no computador), com a entrevistadora e o operador de câmara que me orientou nas partes técnicas.

Para conseguir anexar a entrevista no Blogger tive de reduzir o tamanho do ficheiro, pelo que a qualidade do vídeo não é a melhor.

Dois meses depois da entrevista estava a aguardar pelo beta da última transferência.



Tenho outro post em "dívida", não me esqueci de que tenho uma promessa pendente.
Porquê remexer nisto? Não é um retrocesso. Seria preocupante se fizesse de conta que nada aconteceu antes de agosto de 2020. É um fragmento da minha história que me transformou. Somos feitos de circunstâncias.
 

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

5 anos na blogosfera

Não é que passaram 5 anos?! Inaugurei este espaço numa fase em que se estava a gerar um turbilhão de insanidade e absurdo, uma espécie de tornado que tornou a minha vida num caos e, removidos os destroços, vejo o sol a espreitar por entre as nuvens. Até ao momento a pandemia não me está a abalar de forma tão avassaladora como os 8 anos e 8 meses que me fizeram criar este baú.
Pensei em tempos que uma cria minha viesse a ter acesso a estas palavras para que pudesse perceber um pouco a sua história. Isso não vai acontecer. O blogue será o álbum das fotografias que não consegui tirar mas que ousei imaginar. As únicas memórias físicas que conservo são exames, protocolos, justificações. No meio de tantos papéis há zero ecografias. A única impressão de ecografia em que toquei foi há 3 anos, dois dias antes da aspiração, que trouxe da urgência de obstetrícia (piso 4) para entregar no piso 3. As imagens mostravam fragmentos da minha menina.
Não decidi quando me vou libertar dos papéis. Tenho de o fazer, não me ajudaram e não vão acrescentar nada.

A única serventia que poderão ter será para fins de investigação. Se alguém precisar deles, que me diga. Cedo-os com todo o gosto.

Espero que num futuro não muito distante se consigam dar respostas às muitas dúvidas que ainda há sobre (in)fertilidade. Mas, como já referi, se não formos interventivos nos estudos as coisas não andam para a frente. Fiz o que pude por mim e contribuí no que pude, pelos vossos.

Bom Natal

Este ano em moldes diferentes mas com um desejo igual ao dos outros anos: que todos estejam bem. Este estar bem é muito mais do que apenas na saúde física.

Bom Natal a quem passa por esta casinha, esteja em Portugal ou além fronteiras.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Em contrarrelógio

Contrarrelógio é o sinónimo que traduz Bolonha combinado com Covid. Não sei qual será a minha perceção sobre o tempo se a palavra Covid deixar de fazer parte do nosso quotidiano e souber o que é estudar no século XXI sem aulas e avaliações à distância, motivadas por uma pandemia.

24 horas são insuficientes para tudo o que há a fazer diariamente, tenho até remorsos de dormir, basicamente porque o tempo para estudar é quase inexistente. A quantidade de tarefas praticamente diárias e o tempo que é necessário dispensar-lhes, absorvem substancialmente aquilo que pensava que ia conseguir fazer que é, estudar. Pelos vistos é uma exigência de Bolonha e da avaliação "contínua" que lhe está inerente. O problema é que com avaliações das quais só esta semana tive folga, o estudo para cada cadeira é feito a correr, como tudo o resto. Há aulas que parecem uma prova de ciclismo. Compreendo a rapidez, porque com aulas teóricas de 50 minutos, tem de se dar matéria como se o mundo acabasse no dia seguinte.

Benditos feriados que possibilitaram diversificar um pouco o leque de estudo. Como as aulas iniciaram apenas a 6 de outubro (graças ao Covid), as férias de Natal começam a 24 de dezembro. A interrupção dura 5 dias úteis e logo a 6 de janeiro retomo a saga semanal de avaliações e tudo o que é necessário executar diariamente, culminando com quatro avaliações na última semana de janeiro.

Tenho permanentemente tendência para comparar a atualidade com a experiência universitária que tive há muuuuito tempo, na era pré-Bolonha e está a ser bastante diferente. Em termos de grau de complexidade não estou a sentir dificuldades de maior. Há, para já, apenas uma cadeira que me está a preocupar. Se não fosse este desejo de que os dias tivessem o dobro do tempo para poder dedicar-me a tudo, da forma que eu queria, sentir-me-ia com sensação de missão controlada. Não tenho o mesmo entusiasmo de há 22 anos, pois estou a correr um tremendo risco mas estou extremamente comprometida com este objetivo. As máscaras, os distanciamentos, os curtos tempos presenciais e os Zooms com 70 pessoas identificadas com pequenos ecrãs negros, não ajudam às dinâmicas sociais. Há pessoas da minha turma que não sei se algum dia vou conhecer. Sei o nome de pouco mais de meia dúzia, porque as oportunidades para trocar impressões são escassas. É muito estranha esta época que estamos a viver.

Meti-me nisto e vou cumprir tudo, da melhor forma que conseguir. Acho que nesta missão não vou falhar.

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

9 anos

Fui ler o que escrevi há um ano e há coisas às quais hoje consigo dar uma resposta. Houve embriões euplóides mas nem essa aparente vantagem lhes valeu. No ano em que entrei na casa dos 40 encerrámos a nossa luta. O melhor de nós não chegou e não aguentámos mais desilusões. Apesar do desgosto, foi possível terminar dentro do período que me era mais favorável para a mudança de página, não tornando o estrago emocional ainda maior.

Perdi muito desde que começámos esta história, mais do que imaginava quando tudo começou. Só saberia disso vivendo-o, por isso não me arrependo. Aquilo que lamento realmente é que os meus filhos tenham partido sem culpa de nada. Cresci, mudei, acredito que, em parte, devido à falta de sentido em tudo o que nos envolveu neste caminho incerto da infertilidade. Não consigo encontrar uma explicação lógica para o que sucedeu e que ninguém se atreva a dizer que o destino estava traçado para que assim fosse.

Há 9 anos havia algo dentro de mim que me dizia que o meu percurso não ia ser banal e de fácil resolução. Excedeu exponencialmente a estranheza que já sentia por não funcionar como o padrão que conhecia. Em determinadas alturas odiei-me, agora só tenho de aceitar a anormalidade que me caracteriza.

Em várias ocasiões falei dos sonhos. Na noite passada sonhei que tive uma consulta com a Diretora do serviço para ter a alta presencial que não chegou a acontecer. Não voltei a sonhar que estava grávida ou que já era mãe e não sabia, como tantas vezes aconteceu.

Todos os dias penso neste passado surrealista. Por outro lado, continuo sem qualquer dúvida de que era a altura de parar. Não há nenhum "e se?" latente numa qualquer pasta oculta da minha mente.

No ano passado estava a fazer fisioterapia, atualmente continuo lesionada mas consigo fazer uma vida praticamente normal. De vez em quando o meu tornozelo começa a latejar sem mais nem menos, mesmo que tenha estado pouco tempo de pé. Ainda na semana passada aconteceu isso e inchou ligeiramente.

Com o termo dos tratamentos decidi investir em mim, voltei a estudar e daqui a uns dias começam avaliações. Apesar de praticamente não existir qualquer ócio na minha vida, sinto-me mais tranquila do que quando havia listas de espera, tinha de aguardar por chamadas ou andava no lufa-lufa dos tratamentos. Agora detenho um controlo sobre mim que antes não possuía.

Daqui a um ano não farei nenhum post sobre 10 anos. Este é o remate da saga dos aniversários relacionados com a infertilidade. Mais uma amarra está libertada. 

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Bodas de couro ou trigo

Há 3 anos, numa quinta-feira, e após uns breves minutos frente ao Conservador, assinámos o contrato que selou uma união que existia há vários anos. Foi um momento só nosso, porque assim entendemos. O que houve nessa manhã, até eu ir trabalhar no período da tarde, foi do que mais prezo na vida: paz e sossego. Como gosto de serenidade! O ato oficial em si foi isso mesmo, as horas que se seguiram foram uma continuação desse estado de alma e a hora de jantar foi também pautada por uma sensação de leveza indescritível. Estávamos ali, um para o outro. Temos pouquíssimas e péssimas fotos do momento. O Conservador ofereceu-se para registar, com um dos nossos telemóveis, algumas memórias daquele ato solene. Percebemos que acumular funções de fotógrafo não é uma boa solução para ele. Não importa, porque a minha mente tem tudo registado. Marcámos a cerimónia para as 9h da manhã, porque inicialmente estava previsto realizar uma TEC nesse dia, pelo que às 12h já deveria estar de bexiga cheia no hospital. O plano era casarmos, passarmos uns breves minutos a dois, voltarmos a casa para trocar de roupa e seguir para o HSJ. Como me foi dada a indicação para iniciar o Progeffik um dia depois do que tinham planeado inicialmente, a TEC acabou por realizar-se no dia seguinte. No dia do meu casamento estava um sol maravilhoso. O frio não deu ar da sua graça e depois de sairmos da Conservatória fomos ao nosso sítio, onde tudo começou. Em seguida aproveitámos para caminhar lentamente pela marginal, despida de gente e sentimos a brisa do mar calmo. Naqueles minutos, para nós, não havia mais nada no mundo além daquele espaço.
No dia seguinte, a médica que fez a transferência brincava comigo a dizer que poderia contar que engravidei no casamento e a verdade é que o resultado foi positivo. Engravidei da minha menina. Foi a gravidez mais "evoluída" que tive e o aborto visual e fisicamente mais marcante do meu histórico.

Não importa qual a boda que está a ser celebrada. Como em qualquer relação há uns dias melhores que outros, independentemente de haver ou não um ato legal envolvido. Um dos pilares que, a meu ver, sustenta uma união é a capacidade de não ceder às primeiras adversidades e ter maturidade para saber crescer em conjunto. As centenas de páginas que antecedem este post ilustram um enorme rol de percalços, decisões, contrariedades, episódios ruins que poderiam abalar fortemente a nossa vida a dois. Não foram um mar de rosas, isso garanto. Houve clivagens que poderiam ter comprometido a nossa estabilidade de forma irreversível. Conseguimos suster-nos. Venham de lá mais bodas com saúde, compreensão, respeito e amor mútuos para que daqui a muuuuiitos anos sejamos aqueles velhinhos que estão de mãos dadas, não só para impedir a queda de um dos dois mas porque se veem como peças um do outro.

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Em ambientação

Está instalada a dinâmica das aulas, estou em fase de habituação e a tentar antecipar-me em tudo o que me é possível para poder perceber se tenho dúvidas em alguma coisa, antes que se avolume o trabalho. As terças-feiras são duras. Apesar de me encontrar no conforto do lar, toda a manhã é passada com ensino online, à tarde repete-se a dose, tendo a agravante dessa aula ter sempre um questionário para responder em grupo. Este começa ainda dentro do período da aula e estende-se na(s) hora(s) seguintes, porque tem de ser submetido até uma ou duas horas após o seu termo. Ontem, por exemplo, o dia começou às 9h10 e terminou às 19h, sendo que aproveitei o tempo de almoço para adiantar mais algumas coisas. Depois de jantar ainda estive à volta de um projeto para uma das unidades curriculares. Todas as terças vão ter esta dinâmica.

Além disso, ainda tenho a vida para lá do curso ocupada parcialmente com algum trabalho remunerado e o outro que passa despercebido.

É dose... Ou não, pois há correntes que defendem que o trabalho intelectual é trabalho da treta e que apenas as aulas bastam para cumprir os requisitos. No fundo, só o trabalho braçal cansa. Conheço as duas vertentes e sei dar-lhes o devido valor. Não posso é esperar que pensem como eu.

O patamar que estou a estabelecer para mim, não é de cumprimento de mínimos. Pretendo que o curso que me traga uma mudança para melhor e, para atingir esse objetivo, qualquer segundo é precioso.

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Fantasmas

Já aqui relatei que a minha família paterna (tios e tias) tem sido fustigada com doença oncológica em várias partes. Nuns casos o diagnóstico foi realizado em fase metastizada como, por exemplo, no meu pai, mas não foi o único nessa situação.
Agora é um tio materno que está a enfrentar essa provação. Aparentemente o carcinoma está circunscrito, tem 40 mm, sem metástases. Não bastava o choque da terrível notícia, vem também a incerteza da influência do Covid na resposta do SNS. O meu tio não sabe como, quando e onde vai ser operado. Está já a deparar-se com demora num exame.

A minha mãe diz que há vários familiares do seu lado materno que tiveram cancro, todos do foro gastrointestinal. Os meus avós tanto paternos como maternos, pelo contrário, faleceram com idade avançada, sem evidências de que tenham sofrido de cancro.

Este fantasma influenciou, em certa medida, o desejo de que a entrada na maternidade não fosse muito tardio. Não sei se o meu caminho vai passar por travar, na primeira pessoa, a luta contra a coisa peçonhenta. Quis proteger a minha cria da possibilidade de sofrer desde tenra idade por causa da mãe.

Lembrei-me de um pormenor sobre a dor dos filhos. Tinha algum receio de ter uma filha. Cheguei a estar grávida de uma pequena bonequinha e afligia-me que no futuro se deparasse com os mesmos problemas que eu do ponto de vista reprodutivo ou que fossem até piores. Pesquisas recentes apontam que uma das causas da SOP poderá ser a exposição excessiva do feto à AMH, daí não se terem descoberto causas genéticas para a síndrome. Sei o que senti com a minha adolescência atribulada e o que sofri com a infertilidade. Receava que uma filha minha passasse também por essa experiência.

sábado, 3 de outubro de 2020

Rufam os tambores

Terça-feira será o regresso às aulas. Não vai acontecer como seria ideal, as circunstâncias atuais assim o obrigam. Cerca de 50% da atividade letiva decorrerá na modalidade online. O material necessário está pronto a ser usado (também não é preciso grande coisa), a cabeça está fresquinha, a motivação bem alta, só falta começar!

Entraram 60 e tal alunos pelo concurso nacional de acesso ao ensino superior. Não sei quantos há de contingentes especiais. Foram criadas 11 turmas com horários distintos para acautelar o distanciamento. Pelo que parece, para já, o horário é bastante jeitoso. Apesar de não ter solicitado o estatuto de trabalhador-estudante, vou manter ocupado parte do tempo disponível com atividade independente que já desenvolvia. Deverei também voltar a prestar serviços numa instituição onde passei dias muito felizes.

Vai ser estranho estar tão perto do HSJ a tentar concretizar um projeto de vida que surgiu depois de, o que me levou lá, ter falhado. Estou lentamente a cortar o cordão umbilical que me uniu àquela parte da Circunvalação.

O maior desafio vai ser conciliar a vida familiar, com o trabalho (ainda que poucas horas semanais) e o curso. Desta vez não estou sozinha a 400 km de casa.

terça-feira, 22 de setembro de 2020

Alergias, pain in the ass...

Falar de mim e de alergias é indissociável. Somos unha e cutícula desde o terramoto de 1755. Os problemas respiratórios começaram também por aí, ou seja, mal vim ao mundo. A minha mãe dizia que na primeira consulta que tive depois de nascer, o médico percebeu após a auscultação que ia ter dificuldades respiratórias ao longo da vida.

A asma não me proporcionou uma infância digna de memória. Naquela altura o inverno era sinónimo de problemas, noites mal dormidas por causa das crises, serões a jogar às damas com o meu pai para me acalmar e distrair daquele sufoco permanente. As alergias propriamente ditas manifestavam-se de forma mais branda do que veio a verificar-se mais tarde. Durante muito tempo foi a asma que me tirou qualidade de vida. Sempre que realizava o teste Prick, diziam-me que a reação cutânea aos alergénios não era suficientemente forte ao ponto de necessitar fazer imunização com vacina.

E assim fui vivendo, com primaveras chatas (detesto primavera), pingo no nariz, espirros incessantes, por vezes febre, asma que ia e vinha, um coro de mil e um gatos a miarem dentro de mim entoando a casa, noite dentro, enquanto a família tentava dormir com todo aquele ruído, o ar abatido e preocupado dos meus pais por me verem em sofrimento, as consultas infrutíferas, os litros e litros de xaropes ruins e inúteis, as bombinhas de sabor inconfundível, centenas de comprimidos também inúteis e por fim a resignação porque, mais cedo ou mais tarde, o clima iria ser mais favorável para mim. Veio a adolescência, o episódio do corte de relva que relatei no início do blogue, que desencadeou uma mudança na minha vida e aos 18 anos a ida para a universidade, a 400 km de casa.

Nos primeiros anos longe de casa, as primaveras não foram muito diferentes daquilo a que estava habituada. A partir do 3.° ano as coisas mudaram para muito pior. Ficaram tão más que qualquer movimento que realizasse implicava logo de seguida largos minutos de adaptação por parte do meu corpo, que se traduziam numa sessão de espirros infindável, acompanhada de um dilúvio nasal. Nunca saía de casa com menos de 4 pacotes de lenços de papel que esgotava num ápice. Imaginem estar num anfiteatro com 3 ou 4 cursos a assistir a uma aula, enquanto uma máquina de espirrar não parava de incomodar. Era eu, fartinha de mim, com vontade de cavar um buraquinho de vergonha e meter-me lá. Quando o corpo achava que estava devidamente ambientado ao espaço, instalava-se algum sossego. Terminava a aula, tinha de me levantar para sair e começava tudo outra vez. Mesmo que numa sala tivesse de mudar de uma cadeira para outra ao lado, voltava a adaptação ao espaço com espirros infinitos e o nariz a escorrer sem parar. Em casa usava caixas de Kleenex que rapidamente terminavam. A pele das narinas ficava inflamada por tanta fricção, as conjuntivites deixavam-me os olhos num estado que parecia que tinha estado noites consecutivas a chorar, os cornetos nasais hipertrofiavam de tal forma que não entrava ar. Tinha vontade de fazer duas coisas: arrancar o nariz, fruto da intensa comichão que sentia e pegar nos meus olhinhos, coçá-los com um garfinho e pousá-los em algum sítio até que a tortura da primavera tivesse terminado. Os pulmões, esses, voltaram a queixar-se. A meio de uma aula teórico-prática começou a atuação do coro de Santo Amaro dos Felinos. Estava a fazer uma atividade de grupo com umas colegas que ficaram abismadas a olhar para mim quando ouviram aqueles sons, múltiplos mios de diferentes tons, a saírem de dentro da minha caixa torácica. Pensei para os meus botões "Patrícia, estás de volta às tuas origens". Foi o arranque para o regresso das crises de asma que tinham ficado adormecidas durante uns tempos.

Quando ligava para casa queixava-me do meu estado, estava exausta de viver daquela forma e perguntei se os meus pais estavam com condições financeiras que permitissem que recorresse a consultas de imunoalergologia privadas. Era impossível que os testes não fossem taxativos a confirmarem que as alergias estavam bem instaladas e podiam ser tratadas. Apesar do meu pai já estar de baixa, por causa do cancro, foi feito um esforço adicional para suportar a despesa. Não fazia sentido esperar pelos poucos fins de semana que vinha ao norte para ter consultas, então procurei na cidade onde estudava, uma clínica onde houvesse a especialidade.

Encontrei uma médica da qual gostei muito e realizei mais uma vez o teste Prick. Quando a minha pele manhosa foi picada para entrar em contacto com aquelas gotas seguiram-se uns minutos que pareciam um filme de ficção científica. Primeiro gerou-se vermelhidão local, depois inflamação nas zonas onde estavam os extratos aos quais era alérgica mas não se ficou por aí. Formou-se um conjunto de ramificações vermelhas como se pequenas toupeiras andassem debaixo da pele a cavar túneis. Na sala de espera, ao meu lado, havia uma senhora também a fazer o teste. Comparou o braço dela ao meu e disse que claramente ela não tinha alergias. Voltei para o consultório, foram feitos contornos às zonas reativas com esferográfica, decalcados com fita adesiva e colados no meu processo. Seguidamente realizei análises para avaliar as classes de alergia em que me inseria, fiz uma espirometria numa cabine (experiência extenuante que não apreciei) e iniciei terapêutica. Os níveis de alergia eram variáveis sendo que me encontrava na classe 6 para alguns tipos de gramíneas (a mais grave). Passei a tomar comprimidos, usava dois inaladores, fazia pulverizações no nariz e ainda gotas nos olhos. Gastava perto de 50 euros mensais em medicação mas voltei a ter uma vida praticamente normal. Havia efeitos secundários mas eram perfeitamente suportáveis. Tinha tremores nas mãos minutos após fazer as inalações, andava permanentemente rouca, as narinas ficavam extremamente secas ao ponto de começar a ter feridas no interior e sofrer algumas hemorragias, mas nada disso era mau em comparação com o estado em que tentava viver antes. Daí em diante, antes de iniciar o outono e a primavera, fazia a preparação medicamentosa para enfrentar essas estações. 

Quando chegou a altura de realizar o estágio perguntei à imunoalergologista se podia fazer vacina, porque ia precisar de usar a voz diariamente. A médica disse que como tinha várias alergias, esta solução não seria muito eficaz, mas dado que estava na classe 6 para as gramíneas, podia tentar imunizar-me a estas. Avancei então para as vacinas. Isso implicava ir durante 5 anos, a cada 4 semanas, ao centro de saúde de bolsa térmica em mãos e um plano de emergência escrito numa folha, para ser picada alternadamente 8 a 10 cm acima do cotovelo. Nos 30 minutos seguintes à administração da vacina tinha de ficar na sala de espera em vigilância, porque havia o risco de desenvolver um choque anafilático. A folhinha que trazia comigo tinha descrito como proceder no caso de se dar o choque. A vacina que fiz chamava-se Alergo Merck Formogoid Depo. Era preparada especificamente para mim em Espanha. Tinha de entrar previamente em contacto com o laboratório para encomendar mediante o envio da receita, era expedida refrigerada (não me recordo se era um estafeta que trazia a casa ou se eu ia buscar aos CTT) e o custo era de aproximadamente 150 euros. Dava para várias aplicações e podia pedir o reembolso de 50% do valor ao Estado. Acabava por ser mais económica que a parafernália de medicamentos que fazia. Havia o inconveniente de durante cerca de 3 dias após a administração, o braço estava inchado, quente e com uma urticária quase incontrolável, principalmente enquanto dormia. Nos primeiros 3 anos em que foi aplicada senti-me uma pessoa nova. Não me apercebia dos efeitos da primavera, abandonei toda a medicação que tomava. Nos dois últimos anos do tratamento com a vacina comecei a notar que, apesar de ainda estar a fazer imunização, os sintomas estavam timidamente a regressar. Ocasionalmente precisava de fármacos. Terminei a vacina em 2008 e desde então tenho vindo a piorar. Desenvolvi novas alergias, a asma tem-se mantido calma, apesar de ter regressado nos meses de junho, nos últimos 3 anos.

Ontem tive uma consulta e voltei a realizar o teste Prick. Ainda estou com alguma inflamação no braço e urticária. Reagi a ainda mais alergénios do que há 19 anos e, apesar de ter feito imunização às gramíneas não resultou ou o preparado da vacina era para outro tipo de gramíneas. A médica conseguiu deduzir por uma reação em concreto que não vivi sempre em Portugal e estive no norte da Europa. C'est vrai! Je suis né près de Paris et j'y ais passé plusieur années. Divido a minha vida em vários períodos, o primeiro foi passado fora de Portugal. Vão seguir-se análises sanguíneas tanto para avaliar a tolerância aos pólenes, fungos, ácaros, como para aferir alergias alimentares, porque reajo ao kiwi e também ao melão e meloa se estes estiveram bastante maduros. O teste cutâneo não é muito eficaz para avaliar alergias alimentares. Não deu nada para o kiwi, por exemplo. Tenho de fazer o inalador da asma de forma regular, já tenho comigo o pulverizador para o nariz que deverei usar quando começar o congestionamento, vou fazer vacina para a gripe se conseguir apanhar alguma na farmácia, vou tomar outra vacina na forma de comprimidos para complementar a da gripe, uma vez que tenho anualmente infeções respiratórias (este ano que passou não aconteceu, tinha feito vacina da gripe e depois houve o confinamento). Vou reavaliar a questão da asma com nova espirometria 🙄 Antes da espirometria serei chamada para me enfiarem um cotonete gigante até ao cerebelo, se não se generalizarem os testes rápidos de que andam a falar na comunicação social.

Como não podia deixar de ser, as hormonas e a tiróide vieram à baila. E porquê? Tenho alergia ao sol. Um dos sintomas é uma urticária violenta mal acabo de me expor ao sol. Se quiser fazer praia, uma burka será a indumentária mais segura para mim. Desisti de me resfastelar debaixo do astro rei, porque a tortura que vivia nos dias seguintes não compensava o estado malhado em que ficava. Quando ouso expor as minhas peles ao ar estou coberta com um pareo do meu tamanho, de cor clara, para não cozer. Atualmente, uma caminhada ao sol que dure mais de uma hora, em que esteja de manga curta ou cava, termina com urticária nos braços durante uns dias e um escaldão como se tivesse passado mais de meio dia com Lúcifer. E isto sob o patrocínio de um protetor solar 50+ de filtro mineral. A causa, fiquei ontem a saber, pode dever-se a uma tiroidite em que anticorpos do tipo igE vão atacar a tiróide libertando histamina. E a histamina causa o quê? Urticária! No teste Prick que fiz ontem reagi em força à histamina. Outro efeito das hormonas está relacionado com a asma. Quando as mulheres estão na adolescência, as mudanças hormonais podem traduzir-se no desaparecimento da asma ou na sua exacerbação. Quatro meses antes da menarca, no famigerado corte de relva, tive uma crise asmática muito forte que gerou todo um verão penoso. Sou daqueles casos que a asma não vai largar. Só espero que fique como está e não piore, que vivo muito bem como ela é atualmente.

E assim se escreve um loooongo post com pouco conteúdo mas que interfere no meu dia a dia.

terça-feira, 15 de setembro de 2020

22 anos depois

Voltei a entrar no Ensino Superior! Fui colocada no curso que queria e estou mesmo feliz, porque tenho uma esperança imensa de que servirá como guindaste para me retirar do buraco onde me enfiei. À semelhança de várias outras coisas (nomeadamente tratamentos), esta decisão não foi motivo de entusiasmo por parte da minha mãe. Nada que me surpreenda. Há pessoas que têm medo de se desviar um milímetro que seja da sua zona de conforto, mesmo que esta não esteja a ser muito favorável. Não me atiro de cabeça para as coisas, ela já devia ter percebido isso há décadas. Pondero mil e uma vezes aquilo que pretendo fazer e se achar viável, avanço.

Vou estudar no Porto, num contexto totalmente diferente daquele que vivenciei há 22 anos, quando me desloquei para uma cidade a 400 km de casa, na qual tive de aprender a desenrascar-me. Irei, desta vez, conviver com jovens millenials, ávidos de redes, fotos, filtros e informação instantânea.

Tenho um plano alinhavado para tentar colmatar a desvantagem que a idade me vai trazer face aos "miúdos" que vão ingressar no mercado de trabalho daqui a 3 anos. Irei fazer os possíveis para, durante o curso, reunir um conjunto de mais valias que me podem abrir portas, sem que olhem à minha data de nascimento. 

Pelo que acompanhei nos últimos 4 anos, com a minha filhota do coração, o ensino superior está diferente. Decidi que me vou manter old school, não abdicando das esferográficas e apontamentos incessantes nas aulas, para não ceder à tentação de passar horas a visualizar apresentações multimédia sem fim e esperar que os ficheiros sejam disponibilizados numa qualquer plataforma. Tenho esperança de que, por se tratar de uma engenharia, se continue a valorizar a realização de exercícios. A minha onda não é e nunca foi "marrar". Detesto papaguear conteúdos e não tenho paciência nenhuma para memorizar textos, entro em stress só de pensar que posso ter um bloqueio por não me lembrar de uma palavra. Acho que a maturidade me vai trazer vantagens na forma como vou abordar o estudo, sabendo rentabilizá-lo de forma mais eficiente do que quando era mais jovem. Não sei se à semelhança do curso que a minha filhota tirou, a aposta em frequências/exames, quase integralmente com questões escolha múltipla, se alargou a todas as áreas. Quando fiz a licenciatura não era muito habitual, porque predominando cadeiras de Matemática, Física, Química, a resolução de problemas que envolvessem cálculo era muito valorizada nos instrumentos de avaliação. O processo de Bolonha introduziu mudanças. Quando concluí a licenciatura, falava-se que no modelo Bolonha ia ser privilegiada a realização de trabalhos. Vi pela minha enteada que ela era entupida de trabalhos, reflexões, artigos, a um nível sádico. Qualquer coisa era pretexto para fazer mais um trabalhinho. Tenho esperança, mais uma vez, que por estar a realizar um curso na área de engenharia, não vá ser bombardeada de forma tão exagerada. Imagino que relatórios de atividades experimentais vão ser muito frequentes, fiz imensos na licenciatura.

Há algo que me está a deixar curiosa que é o meu desempenho em conteúdos escritos. Já disse algumas vezes que agora sofro de verborreia. Eu não era assim, muito pelo contrário. Diziam que era sintética mas concisa. Vejo atualmente que as minhas exposições escritas são muito detalhadas e espero que não se torne um obstáculo para mim.

A questão geracional vai também ser interessante. Enquanto estudei tive uma colega com 37/38 anos e admirava a sua capacidade para conjugar a vida familiar com o curso. Era casada, tinha um filho com 6/7 anos, havia alturas em que também trabalhava, estava a construir uma casa e tinha um aproveitamento esplêndido. Agora vou estar no papel de colega mais velha, com idade para ser mãe da "miudagem" que vai estudar comigo. Poderei vir a ter professores mais novos que eu. Se tal vier a acontecer, quem sabe as nossas vidas não se terão cruzado no passado, por força da minha profissão?

Precisava de uma notícia como esta.

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Tabus e melindres

Falar de infertilidade pode significar derrubar o mais forte e alto dos muros, sem saber com o que contar do outro lado. Se chega uma altura em que se toma uma das decisões mais difíceis que é parar, o constrangimento em partilhar pode tornar-se colossal. Afinal de contas não se desiste de um filho, não é o que se diz?
Melindra ouvir/ler que alguém pôs termo à realização de tratamentos por livre e espontânea vontade? Acho que não tenho incitado ninguém a fazê-lo. Defendo há muito tempo que devemos definir até quando nós sentimos que é viável, persistir naquilo que desejamos com todas as forças, que é que dê certo. É absurdo pensar nisso? Não me imaginava a tentar até ao limite do que o meu corpo permitisse, continuar sem realizar esse grande sonho e ter perdido a oportunidade de ser feliz de outras formas. A mágoa está cá dentro, sim, não se esquece mas penso que vou a tempo de conseguir viver dias muito melhores do que aqueles que me atormentaram desde muito, muito cedo, a propósito da infertilidade.

Perdoem-me aqueles que acham que dá sempre certo. Oxalá fosse assim, nem me dava ao trabalho de partilhar tudo isto sabendo de antemão que o filho estava garantido.

Na página de uma apresentadora em ascensão li comentários de pessoas a lamentarem o facto dos programas televisivos das tardes divulgarem apenas histórias tristes, quando a maior parte dos seus telespectadores sofre de depressão. Pediam para dar destaque a histórias felizes. Estou também a dar conta noutros locais que o assunto do terminar livremente a realização de tratamentos pode ser visto como uma impertinência, causa alguma urticária (não compreendo o motivo tratando-se de uma decisão pessoal). Quando fui convidada para participar no extinto Programa da Cristina, passou-me pela cabeça exatamente isto de que estou a falar agora. O meu testemunho não ia ao encontro de quem quer alegria para combater a tristeza/solidão; se quer inspirar em finais felizes ou lutou até que o almejado filho chegou porque ele ia vir e desistir não faz parte do seu vocabulário.

Escrevi um post sobre pressão social, vou dar-me a liberdade de acrescentar à lista a história de que não se deve desistir. É feio? É errado? É sinónimo de fraqueza? Chacina a esperança a quem quer focar-se apenas no bom e descobre que há quem seja capaz de o fazer? Por acaso alguém está disponível ou apto para refazer o meu corpinho e torná-lo funcional? Devo arruinar-me física, emocional e financeiramente e enclausurar-me até ao fim dos meus dias com uma tristeza profunda, por ter sido incapaz de gerar e manter vida dentro de mim? Devo esconder que a Ciência ainda falha, porque há muito por descobrir?

Já cantava o senhor Jon Bon Jovi na música It's my life "I just want to live while I'm alive". Eu estava moribunda por tudo o que suportei, para depois de tudo o que consegui aguentar, o filho não ter chegado. O título do blogue não podia ser mais descabido para a minha história.

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Projeto ETHICO - apelo

Já anunciei este projeto, participei nele e foi uma experiência que me fez pensar em coisas sobre as quais ainda não tinha refletido.

Foram realizadas até ao momento 34 entrevistas, faltam ainda 16 para os investigadores atingirem o patamar estipulado para o estudo. O que é necessário? Um computador/tablet/telemóvel, internet, algum tempo (comigo foram quase duas horas) e franqueza.

O Mário (investigador que realiza as entrevistas), deixa-nos à vontade para o tratarmos por tu. É de uma acessibilidade incrível. A entrevista flui naturalmente, sem sentirmos qualquer pressão ou acanhamento.

Poucos dias antes de ser entrevistada, tinha participado na realização do vídeo para a semana dedicada à tiróide, promovido por outras entidades. Foram duas experiências distintas e senti-me realmente bem, porque no caso do projeto ETHICO não havia a questão do tempo a limitar os raciocínios.

Tanta gente tem possibilidade de dar o seu testemunho! Basta ter realizado FIV/ICSI. Ao contrário do que acontece em muitos questionários em que as respostas são limitadas e pouco abrangentes, aqui é possível falarmos da nossa perspetiva. Não sei como vão tratar a informação, imagino que não vá ser fácil, mas também não nos compete esse trabalho :) Quase sempre que há projetos de investigação com colheita de dados através de questionário em que considero viável participar, faço-o. Acontece, no entanto, que numa parte significativa há uma ou mais questões cujas hipóteses de resposta não se enquadram ao meu caso. Quando isso acontece, envio um e-mail ao investigador. Ainda há pouco tempo preenchi um formulário sobre o impacto emocional do Covid no acompanhamento das unidades de PMA. Não havia nenhuma opção que permitisse indicar que se realizou tratamento durante este período. Contactei a investigadora alertando-a para isso.

Se temos condições de contribuir para estudos e neste caso, sentados no conforto do lar, porque atualmente as entrevistas não são presenciais, porquê não sermos parte ativa?

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Dia da natalidade ou dia da grávida

Há cada ironia! Andei completamente ao lado desta efeméride da qual só tive conhecimento esta manhã.

Associei sempre esta data a outro acontecimento.

Se o meu pai estivesse vivo, celebraria 72 anos.

Outro facto curioso é que o boletim de vacinas da minha menina de bigodaça tem como data estimada de nascimento 09-09-2011.

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

(Re)começo

Passou pouco mais de um mês desde que terminei a viagem a nenhures. Sinto-me leve por já não ter de me preocupar com todas aquelas coisas que absorviam o desenrolar dos meus dias. Não esqueci, porém. Isso nunca acontecerá. Acho que ainda não houve nenhum dia em que não tenha dedicado uns segundos a pensar no que aconteceu, durante os vários anos que antecederam a chegada a esta etapa. Sabia que seria assim.

Atualmente encontro-me em espera e expectante. Candidatei-me ao ensino superior no contigente especial de quem já é titular de curso superior conferente de grau. Há uma única vaga em jogo e sentir-me-ei perdida se não for colocada, porque não tenho planos alternativos. Decidi que este é o único ano em que irei tentar entrar. Se não conseguir será extremamente difícil encontrar trabalho noutra área. Não posso continuar com os pequenos serviços que ainda realizo que mal dão atualmente para pagar a fatura da eletricidade. A vantagem é que são perfeitamente exequíveis online, sem haver riscos de contágio com Covid ou outras maleitas e não tenho despesas associadas a transporte. O contrato da substituição que estava a fazer terminou no dia 31 de agosto e o que poderá surgir de pseudoestável daqui a umas semanas ou meses, será uma ou mais substituições ou trabalhos a tempo muito parcial que ajudam a pagar o condomínio, a água e um bocadinho da prestação da casa. Até ao dia 15 deste mês saberei se posso acender uma nova luzinha de esperança, desta vez em busca de dias melhores no que diz respeito à vertente profissional.

Tive a consulta de gastroenterologia que tanto aguardava desde o final do ano passado e foi confirmado o diagnóstico de Síndrome do Intestino Irritável. O médico não deu importância à situação, quase me mandava embora dizendo para eu aguentar e resignar-me a ela. Quando lhe disse que me causava transtornos enquanto trabalho, a postura dele mudou ligeiramente. Sei que isto vai continuar a interferir no meu bem estar mas em momentos mais complicados há um medicamento que ajuda a "normalizar" a função intestinal. Estou a terminar as cápsulas prescritas que tive de tomar duas vezes por dia durante o último mês e há diferenças notórias. Não sei durante quanto tempo irei permanecer bem.

Durante o período de confinamento reparei que começou a aparecer na minha bochecha esquerda algo que parecem ser sardas. Há cerca de um mês na parte superior do nariz detetei uma manchinha acastanhada e na última semana alastrou ao longo da cana, desabrochou na testa e na bochecha direita. Acho que estou a ficar com melasma. Não estou grávida, por isso descarto essa causa. Sou alérgica ao sol, logo evito estar exposta ao mesmo. Li que o hipotiroidismo pode desencadear o surgimento dessas manchas. Pode ser também o meu corpo a dizer que estou a envelhecer ou, quem sabe, o resultado de anos de cocktails hormonais.

A situação epidemiológica afetou um pouco o quotidiano cá por casa. Antes, já costumava passar muito tempo no meu palácio. Atualmente, além das saídas necessárias para abastecer a despensa (quinzenalmente), visitar a família mais próxima e tratar de assuntos realmente importantes, basicamente ponho os pés na rua para fazer caminhadas com o meu marido por zonas aqui à volta, onde praticamente não passamos por ninguém. Saímos umas duas vezes para dar uma volta de carro, junto à praia e passámos um fim de semana fora, longe de multidões. Não perspetivo que os próximos meses sejam um mar de rosas, atendendo aos números das últimas semanas, dentro e fora de Portugal.

Já me ia esquecer de contar que quando fui à farmácia entregar o arsenal de agulhas, seringas, frascos e cartuchos que usei nos tratamentos, voltei com tudo para casa. O projeto "Seringas só no Agulhão" está suspenso (tenho de averiguar se a situação se mantém). Qual o motivo? Sim, o bicho... A desculpa universal que é usada para tudo, desde março. Enquanto não houver alterações mantenho armazenada a minha caixa de Menopur 1200UI a abarrotar de material que devia ser devidamente eliminado.

terça-feira, 4 de agosto de 2020

A despedida possível

Fui esta manhã doar um saco de medicação, seringas e agulhas de canetas. Houve nova reestruturação do acesso ao HSJ que está mais restritivo e burocrático. Depois de mais de meia hora para conseguir autorização para ir ao piso 3, entreguei o saco. Levei mais medicação do que pensava inicialmente, em quantidade e variedade. A minha S. da receção deve estar de férias, não tive oportunidade de me despedir dela. Estive com duas das enfermeiras que foram sempre muito queridas, falámos um pouco. Uma delas não sabia que eu tinha esgotado os embriões, porque gozou as férias durante a altura em que fiz a TEC. Devido ao bichito microscópico não deverei ter consulta para formalizar a alta mas ainda assim perguntaram se tinha alguma dúvida para colocar às médicas. Disse que não valia a pena, porque não ia fazer mais nada depois desta transferência.
Foi assim que terminou o meu acompanhamento no HSJ, cinco anos e meio depois de ter lá a minha primeira consulta.

Numa próxima altura que vá a uma farmácia, vou levar todas as seringas e agulhas da fotografia que publiquei no dia do beta. É assim que vou soltando as amarras que me prendem à infertilidade.

Mudei de planos em relação ao curso que tinha pensado tirar. Esse vai ser a minha segunda opção se não conseguir vaga numa licenciatura que pode abrir mais o leque de saídas profissionais relativamente ao curso em que andava de olho. Se tudo correr bem, irei ingressar numa segunda licenciatura, desta vez em modo Bolonha, numa área para a qual mais de 60% da minha formação de base é comum. Não vou pedir equivalências, quero fazer tudo de raiz, porque terminei a anterior licenciatura há muitos anos e preciso de fazer refresh/atualizar-me. Se, por um lado, há partes do meu corpo que não funcionam como desejaria, já as minhas faculdades mentais continuam em alta. Nesse aspeto estou segura de mim e espero que me venham a ser úteis. Há anos que ansiava voltar a estudar, tanto para minha realização pessoal como para tentar mudar o rumo da vida profissional. Acho que tenho potencial para mais do que aquilo que tenho feito. Se voltasse à minha juventude teria enveredado pela investigação. Fui totó e segui pela via socialmente mais frequente. Entretanto vieram as romarias aos hospitais e acabei por me dedicar na maior parte do tempo a trabalhos ultra precários, de caráter temporário, para conseguir compatibilizar com as inúmeras manhãs passadas em salas de espera. O meu vencimento médio dos últimos 5 anos tem sido muito abaixo do SMN. Fiz esse sacrifício a pensar que poderia valer a pena, porque tinha esperança que um dia um dos tratamentos ia resultar. A realidade, no entanto, foi diferente e cruel. Perdi em várias frentes mas posso dar-me por afortunada por não ter perdido também o casamento.

sexta-feira, 31 de julho de 2020

Regresso a mim

Segunda-feira passada foi mais uma prova de que há coisas que não estão ao alcance de todos. Ainda tinha reserva de uma solução de cloreto de sódio escondida para os lados dos meus olhos e libertei-me. Não me coibi, embora muitas vezes nos censuremos a nós mesmos, como se chorar fosse algo reprovável. Extravasei a mágoa não por ter acabado mas por me sentir profundamente desapontada por se ter extinguido a esperança, que foi o motor que me levou a aguentar tudo.
Mal vi o resultado, descarreguei o ficheiro e enviei para o hospital. Pouco tempo depois o negativo foi validado e dada a indicação para suspender a medicação. Fui também informada de que será solicitado às médicas o relatório da TEC e que o mesmo ser-me-á enviado por correio. Suponho que é assim que termina. Não falei com ninguém, não sei se vai haver um momento para se para ter alta. Respondi ao e-mail para perguntar se aceitavam o Lovenox que tenho aqui, assim como vários comprimidos que me sobraram. No dia seguinte uma das enfermeiras telefonou-me a confirmar que podia ir lá levar. Acho que a opção pelo telefonema, em vez de um simples e-mail para dizer que aceitavam, foi intencional. Era a enfermeira com quem tinha mais empatia, até porque somos oriundas de localidades próximas e metia-se sempre comigo por causa de uma lenda em torno de umas personagens lá da terrinha. Esse encontro em que irei levar o saco com a medicação será provavelmente a despedida. Era para ter ido ainda esta semana mas o problema elétrico que houve no dia da TEC resulta de algo grave no prédio, que me faz recear deixar a gata sozinha em casa, por existir risco de curto circuito e incêndio. Há dois dias danificaram-se dois equipamentos, a situação pode piorar enquanto não for feita uma intervenção em condições. Vou tentar ir ao hospital na próxima semana, num dia em que o meu marido esteja de folga e possa ficar aqui em casa.

Estou a tratar da viragem da página. Hoje veio a hemorragia de privação acompanhada de dor. O meu próximo passo é voltar a pensar em mim enquanto mulher amenorreica que está com 40 anos e precisa de saber o que é melhor na sua idade. Vou então marcar uma consulta de ginecologia. O foco vai deixar de ser a infertilidade. Pretendo impor alguma ordem no meu interior de funcionamento duvidoso, reduzindo ao máximo a probabilidade de vir a ter alguma patologia de caráter oncológico nestes órgãos inúteis. Por falar em consulta, parece que finalmente vou a gastroenterologia. Dizem que é no dia 6 de agosto mas só acredito quando estiver frente a frente com o médico.

Com a confirmação do negativo fiquei livre para me candidatar ao curso em que andava interessada. Ainda não formalizei, pois estou a aguardar que a instituição me diga se posso contactar com algum responsável do curso. Quero saber algumas informações concretas que vão determinar se vou para a frente com esta decisão.

Em relação ao blogue não quero que ele fique por aqui como o projeto de vida que levou à sua criação. Não sei bem o que fazer com ele mas alguma coisa há de surgir.

Não posso deixar de agradecer todas as palavras que me foram dirigidas, o apoio imenso que tive por tanta gente que acompanhou a minha história. Acredito que se não me tivesse ligado ao mundo digital em busca de respostas, partilhado ideias e não fizesse esta terapia de escrita, o meu caminho teria terminado há mais tempo. Apesar do desfecho considero que há alguns conselhos que posso dar. Se não houver nenhum impedimento, não baixem os braços num primeiro infortúnio. Não se limitem a usufruir do que a ciência oferece. Sejam interventivos(as) e contribuam para o seu progresso. Os estudos não aparecem todos os dias mas andam a fazer-se. Participem se tiverem possibilidade para tal e corresponderem aos critérios de seleção. Tenho vindo a insistir neste assunto, porque não creio na palavra sorte.

Se alguém que me está a ler se encontra na fase de ponderação entre continuar ou parar, deixe-me lembrar de uma coisa. A decisão não é feita em função do que outros possam pensar. Quando paramos é para dar uma oportunidade a nós mesmos de continuarmos a existir e renascermos.

Fui mãe de uma ideia durante 8 anos e 8 meses. Dediquei-me a isso de corpo e alma, de uma forma que jamais imaginei que fosse acontecer. Fiz, no fundo, aquilo que as mães fazem. A diferença é que não passou de uma ideia. Pus a mão na consciência e percebi que não podia deixar que a minha vida continuasse assim. Cada passo que correu mal aniquilou-me aos poucos até perceber que nada fazia sentido. Assim como na morte do meu pai e após todas as vezes que perdi um filho, a vida não pára, até ao limite do que as nossas células aguentam. Por muito que custe, temos de reescrever a nossa história.

segunda-feira, 27 de julho de 2020

Beta - TEC 9



É isto

Colheita feita

O sangue que vai ditar a sentença já está no tubo. O resultado demora até 3 dias úteis a ficar pronto. Estou mal habituada do HSJ em que, à hora de almoço do próprio dia em que se tira o sangue, se tem conhecimento da verdade.
Quando me deitei esta noite, a minha gata veio ter comigo, massajou-me e debruçou-se em cima da barriga. As lágrimas começaram a correr. Havia uma mistura de sentimentos que não consigo explicar. A única certeza que tenho é que não era de remorsos pela decisão que tomámos.

domingo, 26 de julho de 2020

Dia 14 - TEC 9

Estou apenas à espera que chegue a hora de colher sangue.

A minha mente tem dois tipos de leitura sobre como estou. Ou se trata de um início de gravidez sem qualquer indício ou encontro-me a atravessar o meu último grande fiasco no campo da infertilidade. É a realidade.

Fazendo o balanço destas nove transferências vejo quão descabido seria continuar. É como se estivesse a remar num bote e em vez de me aproximar da margem, não saía do sítio ou ficava cada vez mais para trás, enquanto a vida continuava na ilha. Fui perdendo parte da minha identidade e do amor próprio. Não vou dizer que me arrependo mas não tenho problemas em admitir que este processo me destruiu, de certa forma. Tenho de fazer uma aprendizagem a partir daí.

O momento pelo qual tanto aguardei está à porta. Já não é o princípio do fim, como há uns dias. Vou cortar a meta desta maratona que nunca pensei que fosse terminar. Estou tão, mas tão em paz comigo!

Truques e dicas II

Quando idealizei o post, numa das várias noites em que me tentei abstrair do calor para conseguir dormir, tive uma série de ideias. Depois de ter feito a publicação anterior, apercebi-me que faltavam algumas coisas. Em vez de acrescentar ao que publiquei antes, decidi criar nova postagem.
As próximas dicas estão relacionadas com a punção. Temos de ser práticos, não só para nós mesmos, como para os profissionais de saúde que nos acompanham. A punção é um dos momentos em que podemos ajudar um bocadinho. Durante o ato vamos ter um oxímetro num dedo e elétrodos colados no peito. O banho de beleza que for tomado em casa dispensa a colocação posterior do creme corporal que deixa a pele sedosa e hidratada. Queremos elétrodos que adiram à pele para nos monitorizarem devidamente.

As unhas constituem outra preocupação para algumas pessoas. Para mim são um não problema, porque penso na segurança. Nas punções importa-me que o ato corra favoravelmente, com o máximo de prudência. A utilização de vernizes, de determinadas cores, pode interferir na leitura de saturação do oxigénio, mesmo em indivíduos saudáveis. Vale a pena insistir numa questão estética em detrimento de algo tão fundamental como uma punção, em condições adequadas? Há médicos que não contraindicam, outros proíbem ou dizem para não colocar verniz numa das unhas.

No HSJ despimo-nos apenas da cintura para baixo, desconheço o funcionamento dos outros centros nesse aspeto. A roupa que levamos vestida em cima deve permitir uma fácil colocação dos elétrodos. Optei por levar algo fino, com decote em V, por exemplo. Para baixo, aconselho cuecas que possibilitem o uso de um penso higiénico volumoso e calças cómodas e fáceis de vestir. As enfermeiras vestem-nos enquanto ainda estamos sedadas, por isso não compliquemos. Como hiperestimulava, a maior necessidade que tinha, era de garantir o máximo conforto.

Não se devem levar adornos, bijuterias e próteses.

As duas primeiras punções que fiz foram algo traumáticas para mim. Na primeira, após duas administrações de analgésico, as dores persistiram. Percebi que o aumento de intensidade podia estar associado ao enchimento da bexiga. Quando a fui esvaziar senti algum alívio, porque a bexiga devia estar a tocar nos gigantes ovários. Está aqui outra dica para o caso de alguém passar por algo semelhante.

Se me lembrar de mais alguma coisa escrevo novo post.

Truques e dicas

NOTA PRÉVIA: Engane-se quem procura neste post a revelação do segredo para superar a infertilidade. Ninguém o sabe e não tinha moral para fazer tal coisa!

O meu principal objetivo é realizar uma resenha de fatores a considerar e apresentar dicas, fruto da minha experiência, para "facilitar" um pouco a vida a quem se depara com a infertilidade e necessita de recorrer à PMA.

Vou começar por apresentar um fluxograma retirado de uma Norma da DGS sobre Conduta em Infertilidade para os Cuidados de Saúde Primários.


Chamo especial atenção para a parte final do fluxograma relativamente à referenciação precoce que frequentemente é ignorada/desconhecida. Comecei por este ponto, porque não é invulgar lerem-se relatos de casais que estão há uma infinidade a tentar engravidar e a resposta que alguns profissionais de saúde lhes dão é que são jovens; ainda é cedo para recorrer a consultas de infertilidade; devem continuar a tentar ou dizem muitas outras coisas que só fazem revirar os olhos.

Referi já várias vezes que a minha relação com a infertilidade começou, de certa forma, em 1994. Tive a menarca aos 14 anos e desde aí deixei de menstruar. Fui ao médico de família que tinha na altura, que me disse que a amenorreia era normal, devia-se à minha idade e quando casasse a situação ficava resolvida (palmas para ele 👏). Achei inacreditável e logo que me foi possível, pedi à minha mãe para consultar uma ginecologista. Há profissionais de saúde (medicina geral e familiar e ginecologistas) avessos à realização de encaminhamentos que enrolam, enrolam, enrolam e não saem daquilo. Não estou a colocá-los todos no mesmo saco, tenho esperança que seja apenas uma minoria.

Relativamente à etapa em que já é traçado um plano no que diz respeito à técnica a usar, aconselho a leitura do seguinte documento:

Agora vem a parte dos truques e dicas.

Se, porventura, o combate à coisa ruim passar pelo uso de injetáveis (gonadotropinas), há algumas dúvidas que normalmente surgem.
Em primeiro lugar, não são baratos, apesar de serem comparticipados pelo Estado em 69%. A receita médica deve ter indicado algo do género "Despacho n.º 10910/2009, de 22 de Abril, alterado pelo Despacho n.º 8905/2010."

Outra questão frequente prende-se com a despesa que se vai ter na aquisição das injeções. O intervalo é variável, porque depende de cada paciente. No meu caso, como hiperestimulava, não podia administrar doses muito elevadas sob pena de ir conhecer outra dimensão diferente da terrena. Depende também do tipo de protocolo que se realiza (curto ou longo). Os valores podem variar entre os 300 e 550 euros (grosso modo) mas, como disse, não é muito linear.

Apesar de haver comparticipação, é possível comprar por um valor um pouco mais baixo. Uma das hipóteses é tornarem-se sócios da Associação Portuguesa de Fertilidade que tem protocolos com farmácias. Atenção que os protocolos não são iguais e deve estudar-se antecipadamente o mais favorável. A APFertilidade fornece a lista de empresas com as quais tem parceria. Outra possibilidade é terem descontos em farmácias parceiras do hospital ou clínica em que estão a realizar tratamento. De há dois anos a esta parte eu comprava as famosas picas na Farmácia Campus de S. João que faz 10% de desconto nas injeções cuja receita tivesse proveniência do HSJ. Os comprimidos consigo comprar também com desconto na Farmácia São João, na Circunvalação.

As injeções não estão à venda em todas as farmácias. No HSJ, por exemplo, fornecem uma lista com aquelas em que estão disponíveis.

Embora haja um número restrito de farmácias que vendem as gonadotropinas, é possível que num determinado dia estejam esgotadas. Aconselho a não entrarem em pânico imediatamente. Podem telefonar para outras farmácias para ver se têm stock; encomendar para aquele próprio dia e mais tarde recolher; caso seja impossível arranjar para o próprio dia (supondo que têm de começar nessa mesma data) há outra hipótese que é comprar uma embalagem com menos doses do que a receitada (têm de contactar previamente o médico para ser dada autorização), pagar o PVP da embalagem com receita suspensa e pedir ao médico que passe uma receita para aquela caixa, para que possam solicitar a devolução do remanescente, na farmácia onde fizeram a aquisição. Passei pelas três experiências que descrevi.

Aconselho que após a compra dos injetáveis se vá imediatamente para casa. Surgem muitas dúvidas sobre as condições de armazenamento. Alguns fármacos vêm já preparados, outros carecem de diluição. Para não haver equívocos, conservem sempre no frigorífico. Assim não há stress ou confusão. Se, por motivos de força maior, tiverem de estar fora de casa na hora em que a injeção deve ser dada, transportem-na convosco numa mala térmica com acumuladores de frio.

Alerta aicmofóbicos! As agulhas não são a coisa mais terrível da infertilidade. Vão ser as vossas melhores amigas, porque vos ajudarão a chegar ao objetivo supremo. Vejam isto como um mantra. Há picadas de inseto mil vezes piores. Ficarão surpreendidas por, na generalidade, não sentirem nada. Se me dessem a escolher entre dar injeções na barriga e aturar a gosmice do Progeffik a cada 8 horas, semanas a fio, não tinha dúvidas de que a minha escolha recaía nas agulhas.

As agulhas usadas não devem ser colocadas no lixo comum! Podem entregá-las numa farmácia. Aproveitei uma das caixas de Menopur para depositar todas as agulhas, seringas, frascos e cartuchos que irei entregar numa farmácia, logo que isto terminar, porque não tenho nenhum contentor de Resíduos Hospitalares do Grupo IV.

Não vou explorar os protocolos de administração, porque dependem do fármaco e vocês terão ensinos sobre o assunto. Organização vai ser palavra de ordem e devem arranjar-se os mecanismos adequados para tentar levar o processo num maior estado de calma possível. Usava uma tabela como esta abaixo para me orientar durante a estimulação. Não a elaborava a computador, era mesmo à mão, numa folha de rascunho. Só a fiz agora em formato digital para verem como a tinha estruturado. O Orgalutran ficava durante alguns dias com as linhas vazias e quando o iniciava, fazia coincidir a cruz com a data da gonadotropina usada. Imaginemos que quando começava o Orgalutran era altura de dar a injeção da gonadotropina do lado esquerdo, então o Orgalutran seria do lado direito.


Se tiverem receio de falhar a hora das injeções, programem o despertador do telemóvel. Isto também é válido para os comprimidos.

Os frascos ou cartuchos onde vêm as gonadotropinas têm um número de doses superior ao indicado na embalagem. Vamos supor que uma estimulação é feita diariamente com 150 UI de Puregon. A caixa comprada foi a de 900 UI. Teoricamente no 6.º dia o cartucho deveria ficar vazio, no entanto isso não acontece. Os médicos têm conhecimento disso e sabem quantas unidades adicionais traz. Ao prescreverem nova receita, caso seja necessária, têm em conta esse valor para não gerar tanto desperdício.

Relativamente aos comprimidos, como indiquei no post de ontem, aconselho que façam as compras de forma racional, embora seja mais trabalhoso. Imaginemos que uma receita tem duas caixas de Progeffik e o aplicam 3 vezes por dia. Cada embalagem tem 60 cápsulas que dão para 20 dias. Se estivermos a realizar uma TEC, desde o dia em que se começa o Progeffik até ao beta passam, no máximo, 20 dias. 

A lista que se segue contém alguns fármacos que tomei e as quantidades em que são frequentemente comercializados.

Acfol - 50 comprimidos
Estrofem - 28 comprimidos
Progeffik - 60 cápsulas
Folicil - 20 ou 60 comprimidos
Zumenon - 28 ou 2x 28 comprimidos
Lovenox 40 - 6 seringas pré-cheias
Lepicortinolo (Prednisolona) 5 mg - 60 comprimidos
Cartia - 28 comprimidos
AAS 150 - 30 comprimidos

Por um lado queixamo-nos que o tempo é longo e parece não mais acabar. Quando um tratamento é iniciado recebemos muita informação, andamos com caixas e mais caixas de medicamentos e cada um tem uma altura específica para começar a ser tomado. Destinei um nécessaire apenas para PMA. Não quis misturar com os restantes fármacos que tenho em casa. Podem usar uma caixa, uma bolsa, um saco... mas acho importante separar do resto. Quando temos consultas, perguntam com frequência de que quantidades dispomos, para saberem se é necessário prescrever mais receitas. Então a próxima dica é, antes de cada consulta, contabilizar a medicação e anotar, se não se conseguirem lembrar.

Assim como já doei e ainda vou doar, também beneficiei de quem fez o mesmo no hospital. Não é invulgar precisar de apenas uma seringa pré-cheia ou um frasco de solvente. No HSJ e provavelmente noutros locais, há utentes que doam medicação sobrante dentro da validade, por já não precisarem. Perguntem à enfermeira se há algo que possa ser dispensado, são uns trocos valiosos que podem poupar. Lembro-me que me aconteceu de usar apenas uma seringa de uma caixa de Orgalutran que continha 5 unidades. Também me sobrou Decapeptyl 0,1. As próprias seringas ou agulhas ainda não usadas de canetas, podem ser igualmente doadas, se o hospital tiver necessidade e ainda estiverem dentro da validade.

No que diz respeito a colheitas de sangue, também há dicas! Numa eventualidade de terem de realizar colheitas com muita periodicidade, alternem os braços. Numa das gravidezes que tive com suspeita de ectopia, fiz 8 colheitas para medição de beta-hCG, a maioria dia sim, dia não. Aconteceu no verão, quando a minha pele está estupidamente sensível com o calor. Na maior parte das vezes, o sangue foi colhido do mesmo braço. Se as minhas veias tivessem capacidade para se exprimir verbalmente, gritariam por clemência. A reação alérgica era quase imediata. Outro aspeto que facilita a vossa vida: não deixem o penso rápido muito tempo na pele. Isso evita as alergias ao adesivo e ajuda a que a pele e os pelinhos não sejam arrancados por ter estado colado indefinidamente.

Estavam à espera de mezinhas sobre pés, frutas e massagens da fertilidade? Lamento desapontar-vos se era isso que procuravam.


sábado, 25 de julho de 2020

Dia 13 - TEC 9

Tic tac, tic tac, o relógio avança rapidamente, rumo ao dia 27 de julho. Às 9h50 estarei na junta de freguesia para fazer a recolha de sangue. Sim, na junta. O centro de saúde tem uma área diferenciada para pacientes com suspeita de Covid, então as colheitas tiveram de passar a efetuar-se noutros locais.

Tive uma ou outra pontada no útero e mais nada significativo.

Tentei não criar um stock de medicamentos mas já tenho algumas coisas empatadas que vou doar ao hospital, nomeadamente duas caixas completas de Lovenox 40 e outra parcial. Possivelmente sobrará uma embalagem de Progeffik, outra de Acfol e Estrofem. O meu nécessaire destinado em exclusivo para PMA já fecha na totalidade. Fiz asneira daquela vez que comprei todo o Lovenox que estava na receita. Foram, salvo erro, 6 caixas de uma vez só e no fim usei apenas três, mais algumas seringas de outra, porque a gravidez terminou mal, comme d'habitude... Às vezes perde-se o fio à meada à quantidade de caixas que se comprou a partir de uma determinada receita, porque vai-se introduzindo um, outro, mais outro medicamento. Quando se entra nestes meandros, não se pensa que uma parte significativa pode nunca vir a ser ingerida, então avia-se tudo. O problema é que por vezes as coisas correm mal e além do desgosto por não ter resultado, há dinheiro que fica empatado. Pode dar mais trabalho mas o melhor é estimar o que vai ser necessário até ao beta e comprar de forma racional. Em seguida, logo se vê. Com as injeções usadas na estimulação não dá para fazer essa gestão. Vai-se aprendendo com os erros. Nunca é demais dar estas dicas, porque os medicamentos não são propriamente baratos.

sexta-feira, 24 de julho de 2020

Dia 12 - TEC 9

O meu estado de espírito é uma espécie de onda sinusoidal, que neste momento se encontra num pico de serenidade.

Esta tarde fomos ao supermercado e ao passar no corredor dos congelados tive aquelas dores intensas no útero que duram alguns segundos. Mais tarde senti algumas náuseas e acho que o volume mamário está a começar a aumentar.

Não vou dizer que falta pouco para resolver o mistério, porque posso vir a dar de caras com um betinha e aí a situação pode arrastar-se mais algum tempo. Se voltar a ter de realizar colheitas dia sim, dia não, vai ser interessante ver a dinâmica do funcionamento do centro de saúde.

Depois de uma estagnação no meu peso, parece que está a recomeçar a reduzir, exceto nas mamas, que não devem ter muito tecido adiposo. Mesmo que perca mais 10 ou 15 kg, acho que se vão manter iguais. Elas pesam, atrapalham-me e causam problemas cutâneos. Podiam ter permanecido como eram quando tinha 15 anos, mas não...

quinta-feira, 23 de julho de 2020

Dia 11 - TEC 9

Começaram hoje as dores no útero quando me levanto. A tensão mamária associada ao Progeffik ainda não se manifesta.

A minha miúda de longos bigodes acha por bem massajar-me a barriga quando lhe deve parecer que estou a precisar. Aproveitou uns minutos da tarde em que se sentiu um pouco mais fresca para se meter comigo com as suas macacadas. Ela sabe como me fazer sorrir e gosta de me provocar com a traquinice que me deixa derretida. Somos cúmplices, temos um amor incondicional uma pela outra. Quero-lhe tanto bem a ela como desejo para mim. Não a vejo como um animal de estimação, é um membro da família. Tudo nela é especial, até a quantidade astronómica de pêlo que liberta todos os dias, porque aqui em casa o calor abunda grande parte do ano. A minha menina nasceu sem olhos. Vê melhor com o coração do que muito boa gente com todos os sentidos. Tem 70 cm de comprimento desde o nariz até à ponta da cauda em jeito de espanador do pó. A sua língua é mais abrasiva do que noutros gatos que tive, talvez para conseguir desembaraçar bem os longos pêlos. Adora fazer-nos esfoliações, consegue ronronar durante quase uma hora seguida, ressona como gente grande, espirra com alma, mia pouco enquanto está acordada mas é frequente miar quando sonha, bebe muita água desde pequena, não mastiga a comida, é esquerdina, não gosta de ser escovada, não se importa que lhe corte as unhas, é curiosa, rufia, dá turras que mais parecem cabeçadas, dá as boas vindas a quem vem aqui a casa de uma forma muito engraçada, é muito amistosa, oferece-me a barriga, pede e dá abraços fortes, encosta a cara dela à minha enquanto a abraço, conhece várias palavras e expressões, tem medo de trovões, esconde-se para me fazer esperas, desafia-me pondo-se a andar de lado para mim, tem um relógio suíço dentro dela, é uma criançola que vai fazer 9 anos em setembro e de sénior não tem nada. Estaria aqui horas a fio a escrever sobre a minha menina e não seriam suficientes para mostrar tudo o que ela representa para mim.

O meu coração está um pouco mais calmo. Não vale a pena desesperar. Venha o beta, que depois reoriento-me.


Dia 10 - TEC 9

Mais um pouco de nada.
A semana está a fluir rapidamente, o que é bom. Desejo que os dias que faltam passem ainda mais depressa para poder sossegar uma parte da mente. É difícil desligar-me, deixar de traçar cenários. Seria bem mais fácil viver esta experiência se nos fossem feitos shutdowns em alturas específicas.

É um período estranho este que estou a viver. Os últimos 5 anos foram pesados, habituei-me a uma normalidade de desordem, em que tentei não descarrilar para manter o discernimento e aguentar as situações que iam ocorrendo. A infertilidade dominou uma fatia significativa e o que a rodeava estava fortemente associada a ela. Foi preciso um grande esforço para manter a lucidez.

A morte do meu pai influenciou em grande medida a minha capacidade para dar a volta às adversidades. Estava a terminar o curso quando assisti à sua morte, em plena época de exames. Já tinha concluído os exames das cadeiras daquele semestre, faltavam dois aos quais me tinha inscrito para fazer melhoria de nota. Estudava a 400km de casa e as semanas que se seguiram foram muito solitárias, porque não me sentia à vontade para incomodar os meus colegas. Eles tinham de estudar para os exames, então não achava correto interrompê-los. O meu primeiro luto foi passado na companhia de Colóides e Superfícies e Química Física. Melhorei as notas, foi um aspeto positivo. Depois desse ano letivo ter terminado fiz estágio pedagógico, ainda longe da minha base familiar. O volume de trabalho era tão intenso que a disponibilidade para ir à terrinha era pouca. Os fins de semana muito esporádicos eram espremidos, devido ao enorme tempo de viagem. As poucas horas que passava em casa da minha mãe não eram muito diferentes do que antes, porque até o meu pai adoecer, ele trabalhava frequentemente ao fim de semana. A queda para a realidade não se deu totalmente nessa altura. Foi no regresso ao lar, após terminar a licenciatura, que se deu o verdadeiro processo de luto, pois percebi realmente que ele já não estava connosco. Apesar de o ter visto partir, a situação era surreal demais em relação a tudo o que vivera até então. No maldito dia, senti um desespero desmedido. Tinha a noção clara de que estava prestes a acontecer mas ninguém está verdadeiramente preparado para perder alguém, por mais inevitável que uma situação pareça. Ver a degradação do seu estado, minuto a minuto, até ao último suspiro (que expressão tão real!), acordou em mim um ódio descomunal. Ele faleceu num domingo, dia 26 de janeiro de 2003, às 17h20, em casa. Naquela altura não havia capela mortuária na terrinha, então o caixão encontrava-se aberto na sala da nossa casa. O funeral foi na terça-feira, ao início da tarde. O que antecedeu a morte e os dias seguintes até ao funeral, foi mau demais e não vou desenvolver. O padre que celebrou o ato fúnebre foi a cereja no topo do bolo, pelos piores motivos.

Voltando ao luto, deparei-me com um vazio ensurdecedor. Mantive durante algum tempo o ato reflexo de espreitar quando é que ele chegava do trabalho. Sonhava tantas e tantas vezes que ele tinha morrido mas, do nada, estava de volta, embora fosse desaparecer novamente, porque o cancro não o tinha largado. Continuo a sonhar com ele regularmente e é sempre com esse tipo de características. Custou-me perceber que a minha vida tinha de continuar e que nada que fizesse ia trazê-lo novamente à vida. Era como se tivesse remorsos de me permitir ser feliz. Esta perda tão dura marcou a minha forma de encarar o que de negativo se seguiu. Trouxe-me alicerces para lidar com a desilusão, tornou-me menos inocente e pouco apta para reconhecer que as coisas boas podem acontecer.

quarta-feira, 22 de julho de 2020

Dia 9 - TEC 9

Esta tarde aninhei-me a separar roupa para lavar. Pouco depois de me ter levantado, e não foi de forma brusca, fui invadida por umas náuseas muito fortes durante cerca de meia hora. Nunca me tinha acontecido isto.

Em alguns momentos do dia senti pressão na zona do útero, principalmente quando me punha em pé, mas ainda não tive aquelas pontadas agudas a que estou acostumada das outras transferências.

A fome vai aparecendo, mesmo a seguir a uma refeição, embora penso que também aconteceu com TEC negativa. Tenho quase a certeza de que não estou grávida.


segunda-feira, 20 de julho de 2020

Dia 8 - TEC 9

A requisição do beta ainda não estava pronta. Tive de aguardar que a médica a passasse. Consegui marcar o beta para o dia 27 sem complicações, fiquei surpresa. A entrada do centro de saúde estava um pouco confusa. As pessoas ficam nervosas e a intolerância vai sendo cada vez mais acentuada. Toda a gente já percebeu que a "normalidade" não se vai instalar tão cedo, motivando ansiedade por não se conseguir fazer as coisas como antes. Acho que vários dos hábitos que estão a ser adquiridos vão integrar as nossas rotinas futuramente e teremos de nos adaptar a todas as mudanças que ainda vão acontecer.

Falta uma semana para o beta e não sei quanto tempo mais para sair o resultado. Quando se está mais certo de um resultado negativo que positivo, uma espera tão prolongada pelo beta vai gerando um sentimento ruim. Não vou, contudo, fazer teste de farmácia por causa do meu cadastro de betas baixos e gravidezes bioquímicas. Não me traz qualquer tranquilidade, só serve para me enervar.

O Progeffik não fez das suas com o aparecimento de tensão mamária. A gastrite está adormecida, não tenho fisgadas no útero. Vou tendo uma sensação de fome ocasional, é a única coisa diferente. Preciso de arranjar algo para me distrair durante a semana.

Dia 7 - TEC 9

Tenho evitado falar de perdas de sangue mas no meu histórico foram uma parte importante. Atendendo à cronologia das outras transferências e do número de dias do embrião, poderia ser hoje que as mesmas dariam sinal. Não detetei nada. Esta tarde tive a leve impressão e não estou certa de tal, que senti uma ligeira moedeira, como se a menstruação estivesse a chegar. Se não me enganei nesta sensação, pode ser manifestação de efeitos secundários do cocktail químico, por isso não vou valorizar.

Estou a preparar uma bandeira branca para me render. Disseram-me uma vez que um dia iria descobrir o motivo ou um propósito que justifica tudo o que me aconteceu. Foi numa tentativa de me confortar mas não tenho capacidade de encaixe para interiorizar essas palavras com a intenção com que mas disseram.

Já relatei algumas vezes sonhos que tive relacionados com a maternidade. Sou daquelas pessoas que têm uma grande facilidade em se recordar dos sonhos, mesmo quando numa noite são vários. Nas vésperas da TEC sonhei que tinha um filho com um ano mas durante aquele período estava a ser educado por uma prima muuuuuiiito afastada que se encontrava super grávida. Era o dia do seu batizado, ia conhecê-lo e a partir daquela altura ficaria com ele. Não sei que circunstâncias levaram a que ele não estivesse comigo no seu primeiro ano de vida. Outra coisa estranha é o contexto da situação. Sou ateia mas não tenho problemas nenhuns em ir a cerimónias religiosas. O bebé (não sei como se chamava) vestia um vestido/túnica branca, sem fralda. Pensei que a ausência de fralda tivesse a ver com alguma coisa relacionada com o ritual, apesar de nunca ter visto isso noutros batismos católicos. Não me sentia no direito de assumir o papel de mãe quando não o conhecia sequer, nem tinha acompanhado o seu crescimento. A minha prima pôs-me à vontade para pegar nele numa espécie de passagem de testemunho. Foi então que a nossa ligação começou. Sou inexperiente com bebés e tinha uma preocupação imensa em não fazer asneira com ele no meu colo. Alguns segundos depois comecei a sentir algo estranho na mão esquerda. Ele estava desfraldado e quando espreitei para a mão, vi que o número 2 estava a conhecer a luz do dia. Fui perguntar se alguém tinha lenços ou outra coisa para remediar a situação. A juntar-se ao número 2, veio também o número 1. Já não era só a mão que tinha sujidade, o seu corpo e as nossas roupas também. Apesar de borrada, tinha o meu filho desconhecido ao colo. O sonho terminou aí.

Acontece com muita frequência ser a última a saber que estou grávida, que tenho filhos ou estes passam os primeiros tempos da sua vida com outras pessoas. Não sei porque é que sonho nesses moldes. Antevejo que na véspera do beta vem mais uma noite recheada de sinapses esquisitas.

sábado, 18 de julho de 2020

Dia 6 - TEC 9

Este período de espera até ao beta está a ser produtivo no que diz respeito a introspeção. Perco-me nos meus pensamentos. Reflito acerca do passado, presente e hipotéticos futuros. O meu futuro neste momento, encontra-se numa situação semelhante ao programa de TV que havia dantes, o Agora Escolha. Só falta o público votar no final da história que quer ver.

Tenho reparado que ultimamente a política do hospital no que diz respeito à altura em que o beta é realizado tem sido fazer duas semanas depois da transferência (pelo menos no meu caso), mesmo com blastocistos. Talvez seja para que o valor tenha mais consistência, em vez de se ficar no limbo dos nins.
Esta semana que vem vai durar uma infinidade...

Não há nada a relatar, nem sequer efeitos secundários da medicação. É um tédio...

Dia 5 - TEC 9

À exceção do calor que me derreteu, não aconteceu nada. É estranho ainda não ter sentido sequer aquelas dores fortes no útero que por esta altura, nas outras transferências, já se manifestavam quer em positivos como negativos. Acho que as mamas também não aumentaram de volume, nem as sinto doridas.

Vou ser honesta quanto à minha esperança neste momento. Se eu tivesse uma balança de pratos em que um correspondia ao positivo e o outro ao negativo, este último estaria bem abaixo do primeiro. Esta animosidade tem a ver com algo tão simples, como ter uma dificuldade imensa em pensar que a minha história terminará como tantas que li e acompanhei. É, no fundo, embarcar na velha máxima de que as coisas só acontecem aos outros. Detesto ter esse pensamento. Não deixa de pairar a ideia "por que raio vais ser daqueles casos clássicos que, na última tentativa, consegue concretizar o seu sonho?". No que toca a infertilidade sou arrasadora em relação a mim mesma. Se calhar é algum mecanismo de defesa que tento arranjar na esperança de um dia ser agradavelmente surpreendida. Às vezes penso que estes devaneios não têm coerência nenhuma. É como me sinto, se tem algum sentido, não sei.

Foram finalmente divulgadas as datas de candidatura para o curso que quero tirar se o resultado da TEC não for favorável. Felizmente o período é bastante dilatado e não vou precisar de tomar uma decisão para ontem, como tem acontecido em praticamente tudo. A propina é baixa, o que é ótimo. A desvantagem é que, sendo a tempo integral, durante dois anos a parte profissional vai estar reduzida a praticamente nada. Deverei conseguir conciliar com algumas prestações de serviço que poderão cobrir as despesas com o curso. Tenho de pensar que esta aposta é na tentativa de me proporcionar uma "segurança" laboral maior do que aquela que tenho, que é nula. Se for a fazer bem as contas a estes anos todos em que fui acompanhada no SNS, perdi tanto ou mais dinheiro do que aquele que teria gasto no privado. Trabalhei maioritariamente a tempo parcial para conseguir conciliar com as mais de 100 deslocações que fiz ao hospital. Este valor é real, não o estou a inflacionar. Eu tinha feito há tempos uma estimativa que rondava o número 90. Contei no início desta TEC os registos na Área do Cidadão, no portal do SNS. Não queria acreditar quando vi que estava nos 100 e percebi que faltavam ainda alguns atos clínicos. Considerei na contagem apenas o que estava relacionado com o que foi feito no âmbito de infertilidade, desde o primeiro acompanhamento no Hospital Pedro Hispano (o maior estorvo do meu processo).

Quando me refiro a centenas de horas passadas em salas de espera, milhares de comprimidos, muitas dezenas de ecografias, milhares de euros, não é uma hipérbole. Traduz a minha realidade. Quando isto acabar vou colocar aqui um printscreen das tabelas que forneci nos dois estudos em que participei. Vou também divulgar um apanhado geral de todos os números daquilo com que convivi desde que decidimos tentar a nossa sorte.

Esta manhã uma companheira de luta do fórum onde conheci gente formidável, foi ao Programa da Cristina. Aconteceu aquilo que previa. No escasso tempo que houve para explorar o tema ela conseguiu ser incisiva e muito assertiva no que disse mas ficou a faltar o principal: tempo. É impossível falar devidamente sobre infertilidade naqueles moldes. Dou os parabéns por, tanto ela como o marido, terem participado no programa para nos dar voz. No que toca a este tema a Fátima Lopes tem outro arcaboiço, porque ela vivenciou a PMA. Sabe como tocar no assunto e dedica-lhe mais tempo sendo, mesmo assim, insuficiente. A desvantagem é que o horário da tarde não deve agarrar tanto público como o da manhã. O problema dos programas de televisão é que, como se fala superficialmente do assunto, este acaba por ser desvalorizado. Perpetua a ideia que acontece a meia dúzia de pessoas e com umas injeções tudo se resolve. O Blogger, em contrapartida, nunca me limitou naquilo que escrevi. Pude exprimir tudo o que quis, quando bem entendi, da forma que me fez mais sentido. Aqui sinto-me livre, nunca quis esconder nada, porque também estive do lado de leitora em busca de alento. Encontrava muito pouco e decidi que ia construir este "livro" em tempo real. 

sexta-feira, 17 de julho de 2020

Dia 4 - TEC 9

O que me incomoda atualmente num ou dois períodos do dia são as náuseas. Não sei se é da combinação do Estrofem com este calor.

Dentro de casa estão 30°C e só saio em último recurso como foi esta manhã, para tratar da marcação das análises. Não tratei, voltei para trás sem nada resolvido. O meu centro de saúde tem um funcionamento peculiar que ainda não consegui perceber. Desde que começou o estado de emergência, a comunicação é feita basicamente por mail. Tem sido eficaz, ao contrário do que acontece presencialmente, que me sinto um extraterrestre de cada vez que me dirijo à parte administrativa. Cada um diz uma coisa diferente. Quando sigo as instruções dadas por um secretário clínico, em que tenho de voltar noutra altura para concluir o que é necessário cumprindo as indicações dadas, outro que me atende olha para mim como se eu estivesse a solicitar algo absurdo. O padrão mantém-se desde que estou inscrita naquela USF há 10 ou 11 anos (o pessoal que lá trabalha não mudou). É raro conseguir resolver alguma coisa sem ter de lá voltar duas, três ou até quatro vezes. Na terça-feira enviei e-mail para saber se a minha médica de família podia requisitar a análise da hormona beta-hCg na data indicada pelo serviço de PMA do HSJ. Pouco tempo depois tive a confirmação que a médica iria fazer o pedido e que hoje já podia deslocar-me ao centro de saúde para fazer a marcação. Fui então esta manhã, não por meu capricho, mas porque tinha indicação que hoje seria possível concluir a situação. Como o Covid dizimou todas as outras patologias que existiam no planeta e agora praticamente toda a gente é saudável, à exceção de quem contrai o vírus, só havia uma senhora na sala de espera e uma secretária clínica ao telemóvel. Quando o telefone toca não atendem mas o telemóvel é uma história diferente. Esperei que a senhora realizasse o favor pessoal que estava a prestar para alguém. Depois de terminar a chamada e fazer algumas coisas no computador, teve a gentileza de me pedir desculpa pela demora. Falei da situação do e-mail e comecei a ver aquela reação de quem estava perante um ET que balbuciava coisas desconexas. Foi procurar a requisição numa capa, depois noutra e não havia nada com o meu nome. Depois da busca acabou por dizer "venha na segunda-feira, só vai estar pronto nesse dia". Tentei certificar-me se, ao proceder ao agendamento da colheita, podia selecionar a data e ela afirmou com alguma convicção de que não haveria problema. Continuo sem certezas disso, uma vez que tudo foi e está a ser cancelado na ULSM e só com uma certa pressão é que se consegue fazer alguma coisa. Foi assim com as análises da função tiroideia e com o meu marido, igual. A propósito de cancelamentos, penso ter referido algures para trás que aguardo uma consulta de gastroenterologia no HPH. Foi pedida em novembro de 2019, adiada uma vez por impossibilidade do médico, como me acontecia frequentemente quando era lá acompanhada nas consultas de infertilidade. A minha médica de família diz que alguns utentes queixam-se do mesmo e com outros funciona tudo bem (o meu marido é exemplo). A nova data agendada coincidiu com o estado de emergência, então foi suspensa mais duas vezes e ainda não recebi nova marcação. Estou a tentar perceber se sofro de alguma doença inflamatória intestinal que está a interferir no meu bem estar. Há poucos dias fui encaminhada para imunoalergologia. O tempo de espera máximo é de 120 dias (em estimativas pré-covid, como acontecia com gastroenterologia). Feliz de mim que fiz o rastreio ao estômago e cólon em setembro ou outubro passados e foi possível remover o décimo pólipo gástrico que decidiu habitar o meu estômago, antes da pandemia ter bloqueado o mundo. O meu marido fez uma cirurgia a 27 de fevereiro. Poucos dias depois as cirurgias foram suspensas. Estes são exemplos menores, em comparação com problemas gravíssimos que certamente andarão camuflados por aí, porque parece que, de repente, ninguém precisa de cuidados de saúde extra-covid.

Não estou rabugenta, tenho apenas uma enxaqueca mas por enquanto a prensa onde a minha cabeça está enfiada não se encontra muito apertada. Convoquei à tarde a minha massagista ronronadora para prestar serviços e ela não se fez de rogada. Trabalhou bem! Realizou a tarefa suplementar de me esfoliar, não precisei de lhe pedir, pois é inato nela. Os seus ronrons terapêuticos emitem frequências que são benéficas para manter-me zen q.b. 

A fome que sinto neste momento é anormal, acho que não estou a ser ludibriada pela gastrite. Há uma fronteira ténue entre a sensação de fome e a dor da gastrite de estimação mas o estômago não está a roncar.

Não tenho pontadas no útero, as mamas continuam com o tamanho (grande e pesado) habitual, o Progeffik sai branquinho. Permaneço na mais pura ignorância sobre se estou só ou acompanhada de vida.

quarta-feira, 15 de julho de 2020

Dia 3 - TEC 9

Meu mini-nós número 14, como estarás tu? Eu estou a ferver, não de raiva, porque não tenho motivos para isso mas sim, de calor. Se a temperatura dos meus pés é determinante para o teu bom acolhimento, então o sucesso está garantido. Ah, apostei mais uma vez numas rodelas de abacaxi com o talo (só dois dias) mas cometi a imprudência de o fazer ao jantar e não em jejum. Tiveste sorte de não manifestar as pequenas reações que às vezes me acontecem quando como esse fruto. Tenho bebido muita água, não é nenhum sacrifício para mim, pois é a minha bebida favorita e a que verdadeiramente me sacia a sede e a alma. Estou contida na realização de esforços, embora ontem à noite me tenha excedido (exponencialmente) por um imperativo fisiológico, do foro intestinal, com que sou contemplada quando o rei faz anos. Felizmente não foi necessária ajuda externa mas ainda estou em sofrimento. Agora ao final do dia e já depois de ter jantado senti fome, aliás, há aqui um ratito que está a dar sinal mas é muito cedo para ser obra tua, não me vou iludir!

Amanhã vou dar-te música para continuares a multiplicar-te com ritmos animados. Como está muito calor, a tua irmã de longos bigodes tem andado desleixada nas suas funções de massagista e só quer estar debaixo da cama dos teus papás. Vou recrutá-la para te mandar as suas boas vibes, ela é especialista nisso.

Gosto de imaginar as conquistas que podes ter realizado e para isso tenho a ajuda desta página Da Célula ao Sistema que dá algum pormenor das façanhas que pequenos heróis como tu conseguem alcançar.