Mais um pouco de nada.
A semana está a fluir rapidamente, o que é bom. Desejo que os dias que faltam passem ainda mais depressa para poder sossegar uma parte da mente. É difícil desligar-me, deixar de traçar cenários. Seria bem mais fácil viver esta experiência se nos fossem feitos shutdowns em alturas específicas.
É um período estranho este que estou a viver. Os últimos 5 anos foram pesados, habituei-me a uma normalidade de desordem, em que tentei não descarrilar para manter o discernimento e aguentar as situações que iam ocorrendo. A infertilidade dominou uma fatia significativa e o que a rodeava estava fortemente associada a ela. Foi preciso um grande esforço para manter a lucidez.
A morte do meu pai influenciou em grande medida a minha capacidade para dar a volta às adversidades. Estava a terminar o curso quando assisti à sua morte, em plena época de exames. Já tinha concluído os exames das cadeiras daquele semestre, faltavam dois aos quais me tinha inscrito para fazer melhoria de nota. Estudava a 400km de casa e as semanas que se seguiram foram muito solitárias, porque não me sentia à vontade para incomodar os meus colegas. Eles tinham de estudar para os exames, então não achava correto interrompê-los. O meu primeiro luto foi passado na companhia de Colóides e Superfícies e Química Física. Melhorei as notas, foi um aspeto positivo. Depois desse ano letivo ter terminado fiz estágio pedagógico, ainda longe da minha base familiar. O volume de trabalho era tão intenso que a disponibilidade para ir à terrinha era pouca. Os fins de semana muito esporádicos eram espremidos, devido ao enorme tempo de viagem. As poucas horas que passava em casa da minha mãe não eram muito diferentes do que antes, porque até o meu pai adoecer, ele trabalhava frequentemente ao fim de semana. A queda para a realidade não se deu totalmente nessa altura. Foi no regresso ao lar, após terminar a licenciatura, que se deu o verdadeiro processo de luto, pois percebi realmente que ele já não estava connosco. Apesar de o ter visto partir, a situação era surreal demais em relação a tudo o que vivera até então. No maldito dia, senti um desespero desmedido. Tinha a noção clara de que estava prestes a acontecer mas ninguém está verdadeiramente preparado para perder alguém, por mais inevitável que uma situação pareça. Ver a degradação do seu estado, minuto a minuto, até ao último suspiro (que expressão tão real!), acordou em mim um ódio descomunal. Ele faleceu num domingo, dia 26 de janeiro de 2003, às 17h20, em casa. Naquela altura não havia capela mortuária na terrinha, então o caixão encontrava-se aberto na sala da nossa casa. O funeral foi na terça-feira, ao início da tarde. O que antecedeu a morte e os dias seguintes até ao funeral, foi mau demais e não vou desenvolver. O padre que celebrou o ato fúnebre foi a cereja no topo do bolo, pelos piores motivos.
Voltando ao luto, deparei-me com um vazio ensurdecedor. Mantive durante algum tempo o ato reflexo de espreitar quando é que ele chegava do trabalho. Sonhava tantas e tantas vezes que ele tinha morrido mas, do nada, estava de volta, embora fosse desaparecer novamente, porque o cancro não o tinha largado. Continuo a sonhar com ele regularmente e é sempre com esse tipo de características. Custou-me perceber que a minha vida tinha de continuar e que nada que fizesse ia trazê-lo novamente à vida. Era como se tivesse remorsos de me permitir ser feliz. Esta perda tão dura marcou a minha forma de encarar o que de negativo se seguiu. Trouxe-me alicerces para lidar com a desilusão, tornou-me menos inocente e pouco apta para reconhecer que as coisas boas podem acontecer.
Querida Patrícia,
ResponderEliminarHá poucos meses perdi o único embrião que seria filho biológico meu e o do meu marido porque ele, depois de tratamentos oncológicos, ficou com azoospermia. Esta parte pouco interessa porque cada um de nós carrega as suas próprias tristezas e só quis exemplificar que senti uma dor também lancinante nessa altura. O que gostaria de partilhar é que me fez bem ler os pensamentos do José Tolentino Mendonça. Não sendo católica ou religosa, encontrei no pensamento dele algum alento sobretudo porque não foge da tristeza, nem da mágoa. Comigo ajudou um pouco a carregar o fardo. Um grande beijinho,
Outra Patrícia
Querida PatL... hoje não vou falar da infertilidade, mas da perda de um pai no último ano da faculdade. Em
ResponderEliminarPlena época de exames. A minha data é 7 de janeiro de 2007. E tudo que descreves sou eu que estive lá... os sonhos, o luto, a maneira de encarar a vida após isso... é a tal bagagem que carregamos. Voltando à infertilidade, desejo do fundo do coração que tenhas um final feliz como o meu 😘