Quando fiz referência a este estudo manifestei que iria deslocar-me no final deste mês ao Hospital Senhora da Oliveira para iniciar a minha participação. Hoje foi o dia.
Fui atendida praticamente à hora agendada, o que de si já é um ponto favorável e senti-me muito bem recebida pela Dra. Vanessa Silva. A conversa fluiu com grande naturalidade e simplicidade. Como tínhamos comunicado algumas vezes por mail, o gelo estava mais que quebrado e foi bom ser ouvida acerca de algo que é uma pedra no meu sapato desde 1994.
Levei comigo a compilação de análises e ecografias que fiz desde a adolescência para se estudar o motivo da amenorreia. Quando tinha 16 anos, o meu nível de estradiol estava muito próximo de uma situação de hiperestimulação. Se calhar até teria sintomas mas nem reparava nisso. Só me recordo de sentir tonturas com muita frequência mas após iniciar a regularização da hormona TSH, já com 17 anos, a situação começou a atenuar, pelo que as tonturas não teriam nada a ver com o estradiol elevado.
Voltando à consulta, foi feita uma anamnese em que resumi em alguns minutos os últimos 25 anos, desde a menarca até à atualidade.
Passei em seguida para a ecografia. O extraterrestre (eu) exibiu toda a sua exuberância exótica interior (tanto 'ex' numa frase só!). A analogia que faço entre as imagens visualizadas no ecrã e algo mais gráfico é de que parecia que estávamos a observar umas cabeças de sementes de flores de lótus. As cavidades onde as sementes estão incrustadas são daquelas bem largas. O útero, em oposição àquele freak show ovárico, é belo, maravilhoso, um verdadeiro oásis que não se entende por que raio não aceita os embriões-capa-de-revista que lá estiveram. Tem um ar cândido, diria até celestial, mas tem sido um completo inútil, tal como os ovários que só funcionam sob ameaça. Pelo aspeto das minhas gónadas incomuns, a Dra Vanessa percebeu como as hiperestimulações devem ter sido complicadas e dolorosas. Ficou surpreendida por não ter sofrido torção dos ovários. Foi feita contagem dos folículos e esta miúda que vos escreve, que se encontra a cerca de duas semanas de se tornar quarentona, tinha 42 de um lado e, se não me engano, 35 no outro. Uma aberração, pois.
Falei que foi equacionada a possibilidade de ser realizado drilling antes das FIV. O que vou escrever em seguida pode ser importante para quem tem ovários poliquísticos e está no fim da linha, prestes a desistir. Supondo um cenário em que já não é possível realizar tratamentos, se está numa idade em que pensar na reserva ovárica deixa de fazer muito sentido e não constitui problema dedicar mais cerca de meio ano a queimar os últimos cartuxos, o drilling pode ser o derradeiro resquício de esperança para tentar uma gravidez natural. Não o pretendo fazer, mesmo que os 3 embriões não deem em nada. A minha decisão está mais que tomada.
Assinalei numa folha de que forma sou afetada pelo hirsutismo, selecionando uma escala ilustrada; foi registada a minha altura e o peso; mediu-se o perímetro da cintura, bem como da anca e realizou-se a medição da tensão arterial.
Foi frisado que o objetivo do estudo não é investigar as minhas falhas de implantação. Estou bem ciente disso, assim como sei que não terei qualquer benefício nesta participação, além de ter análises atuais. Outras mulheres, pelo contrário, poderão ter apoio que até lhes permita engravidar.
O conhecimento científico não cai do céu e há ainda muitos assuntos que carecem de investigação. Sem estudos de caso, compilação e análise de dados, avanço tecnológico e capacidade de interpretação da informação, torna-se difícil progredir no conhecimento.
Darei amanhã o próximo passo voltando a Guimarães para, desta vez, fazer análises. Do ponto de vista analítico serão avaliados os seguintes parâmetros: FSH, LH, Estradiol, Cortisol, Prolactina, TSH, T4 Livre, Testosterona, DHEA-S, Hormona anti-mülleriana, Leptina, Grelina, SHBG, Colesterol LDL, Colesterol HDL, Triglicerídeos, Glicose, Insulina e ACTH. Irei finalmente saber o valor da hormona anti-mülleriana que nunca foi pedido em todos estes anos, talvez por conta das imagens óbvias das ecografias.
Serei posteriormente informada de todos os resultados e a minha interação deverá manter-se à distância, ou seja, por via eletrónica. Este contributo faz-me sentir um pouco mais útil para outros, já que para mim é tarde e deixa-me com a sensação de dever cumprido. A minha passagem aqui pelo planeta faz um pouco mais de sentido se, pelo menos uma pessoa, tirar partido dos resultados da investigação.
Sobre o regresso ao Hospital de Guimarães, este não me é desconhecido, por maus motivos. O edifício onde fui à consulta esta tarde fica bem ao lado da unidade onde o meu pai foi acompanhado, em oncologia. A última vez que o levei àquele lado foi há praticamente 17 anos, dois dias antes de ter assistido à estupidez que é as células deixarem de funcionar, por mais que queiramos contrariar. O seu corpo resumia-se a pele, osso e barriga. O abdómen tinha de ser drenado semanalmente naquele hospital, uns 5 litros de cada vez, de um líquido claro resultante da falência do fígado provocada pelas metástases. Foi por isso que lá fui nessa altura. Ele já não tinha força para se manter em pé sozinho, por isso apoiava-se a nós para descer ou subir degraus, transportávamo-lo de cadeira de rodas dentro e fora de casa e eu pegava nele ao colo para o transferir para a cama. Esse período da minha vida teve um grande impacto na forma como encarei a infertilidade e todos os momentos desagradáveis que aconteceram entretanto.
Amanhã darei início ao Provera e conto menstruar no dia 5 de janeiro. Dia 6 ou 7 devo fazer ecografia e na semana seguinte, a TEC.
Enviei mail ao Dr. J. L. da CUF Descobertas para o colocar a par da recente estimulação e do rastreio de aneuploidias. A única recomendação que fez foi a de garantir um bom aporte de progesterona, por via vaginal.
2020 soa-me um número bom e 13 pode vir a ser o da sorte. Irei transferir o décimo terceiro mini-nós. É incrível como o pavio de esperança ainda arde, embora ténue. Aguardam-me semanas de bipolaridade. Se engravidar nesta transferência, gostava que fosse sem sangramentos de nidação, com um valor de beta chorudo e tudo a reinar na mais perfeita harmonia. Uma vez que fui contemplada com uma punção paradisíaca, em comparação com as anteriores, podia ter uma gravidez tranquila ao invés daquele sufoco permanente logo que tenho conhecimento de um resultado positivo. Não creio em nada ligado à transcendência, nem ando a pedir desejos a calhaus que se desintegram na atmosfera quando os avisto (meteoros). Ingiro as 12 passas despojada de pensamentos. Esta minha indiferença à crendice ou espiritualidade faz-me viver o processo com uma grande carga. Não sei como é que se pode deixar o desfecho nas mãos de alguma entidade aprisionada nos pensamentos. As células, os elementos químicos presentes nas mesmas e na forma como se combinam definem o sucesso ou o fracasso. A materialidade aliada às forças físicas cujas interações construíram a natureza e o Universo originam e destroem o que comummente chamamos de milagre da vida.
Sem comentários:
Enviar um comentário