quinta-feira, 10 de abril de 2025

Uma luta solitária

Passei aqui pelo blogue e espreitei a listagem de posts que por cá andavam. Encontrei um, escrito em outubro de 2019, que não cheguei a publicar. Não me recordo se foi intencional ou mero lapso. Partilho o seu conteúdo nos parágrafos abaixo.



Demorei alguns anos a contar à minha família que estava a realizar tratamentos. Souberam na mesma altura que eu que só engravidaria com auxílio especializado, porque a minha mãe acompanhava-me nas variadíssimas consultas que tive na adolescência. Não tenho saudades dessa fase, a adolescência não acrescentou muito à minha vida a não ser preocupações por não me achar "normal".
Tive dificuldade em revelar que queria ter um filho por antecipar comentários relativos ao recurso a fármacos, exames e sedações para levar a cabo o meu intento. Não estava errada na minha suposição e sou frequentemente confrontada com isso. Qualquer coisa que me aconteça atualmente em termos de saúde, mesmo que seja algo que me incomode há mais de vinte anos, tem o mesmo bode expiatório. A seu ver estou a matar-me e na perspetiva da minha mãe, uma criança que nasça à custa de tanta medicação e artificialidade não pode ser saudável. Ela diz que gostava de ter um neto mas não nestas condições. Não conseguindo pela via natural, esta pela qual optei não é solução.
Como se pode ver o maior alívio surgirá daquele lado quando eu declarar que não farei mais tratamentos.

Ao longo do meu crescimento e já na idade adulta, pensava que não ia partilhar a minha vida com outra pessoa, por isso a ideia de união conjugal e da maternidade não fazia parte do que imaginava no meu futuro. Tinha um desejo intrínseco de ser mãe mas as condições para que tal sucedesse não estavam no horizonte. Estava convencida que ia viver eternamente sozinha para o trabalho e autosuficiência, num estilo de vida mais ou menos nómada, fruto da minha profissão. Julgava que algo que fosse além disso não me seria destinado, por só acontecer aos outros. Ironicamente conheci o meu marido em contexto profissional, embora nessa altura estava longe de cogitar que alguma vez nos fôssemos relacionar depois desse período. Não o via como alguém especial e diferente dos demais, era uma pessoa como outra qualquer. Os astros, cupidos, ou outro fenómeno qualquer cruzaram novamente os nossos caminhos e começámos meses depois a nossa relação. Os primeiros anos não foram fáceis por diferentes razões mas findas as tempestades, veio a bonança. Além do meu marido tenho uma filhota do coração com 21 anos. Sou orgulhosamente madrasta! Foi preciso partir muita pedra e ter uma dose infinita de paciência e esperança para chegar a este patamar. Não me arrependo de nada do que vivi para conseguir sentir-me neste estado.
Nós os dois estamos em sintonia em relação à necessidade de definirmos o que queremos. Seja qual for o resultado da genética e de possíveis TEC desta estimulação que não resultem, não vamos fazer mais nenhum tratamento nem optar por outras vias. Ele diz que mesmo que encerremos estes anos todos sem cumprirmos o objetivo, já tenho, apesar de tudo, uma filha.

Faltando meras semanas para completar 8 anos desta maldita caminhada é natural que haja um leque muito significativo de pessoas que sabem das dificuldades que tenho enfrentado. Sou naturalmente reservada e mais de perfil ouvinte. Por situações que vivi, cresci com a postura de não interpelar as pessoas para lhes colocar questões sobre a sua vida. Não porque sinta desinteresse pelo outro mas para não ser intrusiva e inconveniente. Imagino que essa minha discrição seja muitas vezes interpretada como despreocupação ou alheamento, como tal não sou espontaneamente procurada para alguém desabafar. Normalmente sou solicitada para outro tipo de situações e sabem que estou realmente disponível para ajudar naquilo que precisam.