sexta-feira, 31 de julho de 2020

Regresso a mim

Segunda-feira passada foi mais uma prova de que há coisas que não estão ao alcance de todos. Ainda tinha reserva de uma solução de cloreto de sódio escondida para os lados dos meus olhos e libertei-me. Não me coibi, embora muitas vezes nos censuremos a nós mesmos, como se chorar fosse algo reprovável. Extravasei a mágoa não por ter acabado mas por me sentir profundamente desapontada por se ter extinguido a esperança, que foi o motor que me levou a aguentar tudo.
Mal vi o resultado, descarreguei o ficheiro e enviei para o hospital. Pouco tempo depois o negativo foi validado e dada a indicação para suspender a medicação. Fui também informada de que será solicitado às médicas o relatório da TEC e que o mesmo ser-me-á enviado por correio. Suponho que é assim que termina. Não falei com ninguém, não sei se vai haver um momento para se para ter alta. Respondi ao e-mail para perguntar se aceitavam o Lovenox que tenho aqui, assim como vários comprimidos que me sobraram. No dia seguinte uma das enfermeiras telefonou-me a confirmar que podia ir lá levar. Acho que a opção pelo telefonema, em vez de um simples e-mail para dizer que aceitavam, foi intencional. Era a enfermeira com quem tinha mais empatia, até porque somos oriundas de localidades próximas e metia-se sempre comigo por causa de uma lenda em torno de umas personagens lá da terrinha. Esse encontro em que irei levar o saco com a medicação será provavelmente a despedida. Era para ter ido ainda esta semana mas o problema elétrico que houve no dia da TEC resulta de algo grave no prédio, que me faz recear deixar a gata sozinha em casa, por existir risco de curto circuito e incêndio. Há dois dias danificaram-se dois equipamentos, a situação pode piorar enquanto não for feita uma intervenção em condições. Vou tentar ir ao hospital na próxima semana, num dia em que o meu marido esteja de folga e possa ficar aqui em casa.

Estou a tratar da viragem da página. Hoje veio a hemorragia de privação acompanhada de dor. O meu próximo passo é voltar a pensar em mim enquanto mulher amenorreica que está com 40 anos e precisa de saber o que é melhor na sua idade. Vou então marcar uma consulta de ginecologia. O foco vai deixar de ser a infertilidade. Pretendo impor alguma ordem no meu interior de funcionamento duvidoso, reduzindo ao máximo a probabilidade de vir a ter alguma patologia de caráter oncológico nestes órgãos inúteis. Por falar em consulta, parece que finalmente vou a gastroenterologia. Dizem que é no dia 6 de agosto mas só acredito quando estiver frente a frente com o médico.

Com a confirmação do negativo fiquei livre para me candidatar ao curso em que andava interessada. Ainda não formalizei, pois estou a aguardar que a instituição me diga se posso contactar com algum responsável do curso. Quero saber algumas informações concretas que vão determinar se vou para a frente com esta decisão.

Em relação ao blogue não quero que ele fique por aqui como o projeto de vida que levou à sua criação. Não sei bem o que fazer com ele mas alguma coisa há de surgir.

Não posso deixar de agradecer todas as palavras que me foram dirigidas, o apoio imenso que tive por tanta gente que acompanhou a minha história. Acredito que se não me tivesse ligado ao mundo digital em busca de respostas, partilhado ideias e não fizesse esta terapia de escrita, o meu caminho teria terminado há mais tempo. Apesar do desfecho considero que há alguns conselhos que posso dar. Se não houver nenhum impedimento, não baixem os braços num primeiro infortúnio. Não se limitem a usufruir do que a ciência oferece. Sejam interventivos(as) e contribuam para o seu progresso. Os estudos não aparecem todos os dias mas andam a fazer-se. Participem se tiverem possibilidade para tal e corresponderem aos critérios de seleção. Tenho vindo a insistir neste assunto, porque não creio na palavra sorte.

Se alguém que me está a ler se encontra na fase de ponderação entre continuar ou parar, deixe-me lembrar de uma coisa. A decisão não é feita em função do que outros possam pensar. Quando paramos é para dar uma oportunidade a nós mesmos de continuarmos a existir e renascermos.

Fui mãe de uma ideia durante 8 anos e 8 meses. Dediquei-me a isso de corpo e alma, de uma forma que jamais imaginei que fosse acontecer. Fiz, no fundo, aquilo que as mães fazem. A diferença é que não passou de uma ideia. Pus a mão na consciência e percebi que não podia deixar que a minha vida continuasse assim. Cada passo que correu mal aniquilou-me aos poucos até perceber que nada fazia sentido. Assim como na morte do meu pai e após todas as vezes que perdi um filho, a vida não pára, até ao limite do que as nossas células aguentam. Por muito que custe, temos de reescrever a nossa história.

segunda-feira, 27 de julho de 2020

Beta - TEC 9



É isto

Colheita feita

O sangue que vai ditar a sentença já está no tubo. O resultado demora até 3 dias úteis a ficar pronto. Estou mal habituada do HSJ em que, à hora de almoço do próprio dia em que se tira o sangue, se tem conhecimento da verdade.
Quando me deitei esta noite, a minha gata veio ter comigo, massajou-me e debruçou-se em cima da barriga. As lágrimas começaram a correr. Havia uma mistura de sentimentos que não consigo explicar. A única certeza que tenho é que não era de remorsos pela decisão que tomámos.

domingo, 26 de julho de 2020

Dia 14 - TEC 9

Estou apenas à espera que chegue a hora de colher sangue.

A minha mente tem dois tipos de leitura sobre como estou. Ou se trata de um início de gravidez sem qualquer indício ou encontro-me a atravessar o meu último grande fiasco no campo da infertilidade. É a realidade.

Fazendo o balanço destas nove transferências vejo quão descabido seria continuar. É como se estivesse a remar num bote e em vez de me aproximar da margem, não saía do sítio ou ficava cada vez mais para trás, enquanto a vida continuava na ilha. Fui perdendo parte da minha identidade e do amor próprio. Não vou dizer que me arrependo mas não tenho problemas em admitir que este processo me destruiu, de certa forma. Tenho de fazer uma aprendizagem a partir daí.

O momento pelo qual tanto aguardei está à porta. Já não é o princípio do fim, como há uns dias. Vou cortar a meta desta maratona que nunca pensei que fosse terminar. Estou tão, mas tão em paz comigo!

Truques e dicas II

Quando idealizei o post, numa das várias noites em que me tentei abstrair do calor para conseguir dormir, tive uma série de ideias. Depois de ter feito a publicação anterior, apercebi-me que faltavam algumas coisas. Em vez de acrescentar ao que publiquei antes, decidi criar nova postagem.
As próximas dicas estão relacionadas com a punção. Temos de ser práticos, não só para nós mesmos, como para os profissionais de saúde que nos acompanham. A punção é um dos momentos em que podemos ajudar um bocadinho. Durante o ato vamos ter um oxímetro num dedo e elétrodos colados no peito. O banho de beleza que for tomado em casa dispensa a colocação posterior do creme corporal que deixa a pele sedosa e hidratada. Queremos elétrodos que adiram à pele para nos monitorizarem devidamente.

As unhas constituem outra preocupação para algumas pessoas. Para mim são um não problema, porque penso na segurança. Nas punções importa-me que o ato corra favoravelmente, com o máximo de prudência. A utilização de vernizes, de determinadas cores, pode interferir na leitura de saturação do oxigénio, mesmo em indivíduos saudáveis. Vale a pena insistir numa questão estética em detrimento de algo tão fundamental como uma punção, em condições adequadas? Há médicos que não contraindicam, outros proíbem ou dizem para não colocar verniz numa das unhas.

No HSJ despimo-nos apenas da cintura para baixo, desconheço o funcionamento dos outros centros nesse aspeto. A roupa que levamos vestida em cima deve permitir uma fácil colocação dos elétrodos. Optei por levar algo fino, com decote em V, por exemplo. Para baixo, aconselho cuecas que possibilitem o uso de um penso higiénico volumoso e calças cómodas e fáceis de vestir. As enfermeiras vestem-nos enquanto ainda estamos sedadas, por isso não compliquemos. Como hiperestimulava, a maior necessidade que tinha, era de garantir o máximo conforto.

Não se devem levar adornos, bijuterias e próteses.

As duas primeiras punções que fiz foram algo traumáticas para mim. Na primeira, após duas administrações de analgésico, as dores persistiram. Percebi que o aumento de intensidade podia estar associado ao enchimento da bexiga. Quando a fui esvaziar senti algum alívio, porque a bexiga devia estar a tocar nos gigantes ovários. Está aqui outra dica para o caso de alguém passar por algo semelhante.

Se me lembrar de mais alguma coisa escrevo novo post.

Truques e dicas

NOTA PRÉVIA: Engane-se quem procura neste post a revelação do segredo para superar a infertilidade. Ninguém o sabe e não tinha moral para fazer tal coisa!

O meu principal objetivo é realizar uma resenha de fatores a considerar e apresentar dicas, fruto da minha experiência, para "facilitar" um pouco a vida a quem se depara com a infertilidade e necessita de recorrer à PMA.

Vou começar por apresentar um fluxograma retirado de uma Norma da DGS sobre Conduta em Infertilidade para os Cuidados de Saúde Primários.


Chamo especial atenção para a parte final do fluxograma relativamente à referenciação precoce que frequentemente é ignorada/desconhecida. Comecei por este ponto, porque não é invulgar lerem-se relatos de casais que estão há uma infinidade a tentar engravidar e a resposta que alguns profissionais de saúde lhes dão é que são jovens; ainda é cedo para recorrer a consultas de infertilidade; devem continuar a tentar ou dizem muitas outras coisas que só fazem revirar os olhos.

Referi já várias vezes que a minha relação com a infertilidade começou, de certa forma, em 1994. Tive a menarca aos 14 anos e desde aí deixei de menstruar. Fui ao médico de família que tinha na altura, que me disse que a amenorreia era normal, devia-se à minha idade e quando casasse a situação ficava resolvida (palmas para ele 👏). Achei inacreditável e logo que me foi possível, pedi à minha mãe para consultar uma ginecologista. Há profissionais de saúde (medicina geral e familiar e ginecologistas) avessos à realização de encaminhamentos que enrolam, enrolam, enrolam e não saem daquilo. Não estou a colocá-los todos no mesmo saco, tenho esperança que seja apenas uma minoria.

Relativamente à etapa em que já é traçado um plano no que diz respeito à técnica a usar, aconselho a leitura do seguinte documento:

Agora vem a parte dos truques e dicas.

Se, porventura, o combate à coisa ruim passar pelo uso de injetáveis (gonadotropinas), há algumas dúvidas que normalmente surgem.
Em primeiro lugar, não são baratos, apesar de serem comparticipados pelo Estado em 69%. A receita médica deve ter indicado algo do género "Despacho n.º 10910/2009, de 22 de Abril, alterado pelo Despacho n.º 8905/2010."

Outra questão frequente prende-se com a despesa que se vai ter na aquisição das injeções. O intervalo é variável, porque depende de cada paciente. No meu caso, como hiperestimulava, não podia administrar doses muito elevadas sob pena de ir conhecer outra dimensão diferente da terrena. Depende também do tipo de protocolo que se realiza (curto ou longo). Os valores podem variar entre os 300 e 550 euros (grosso modo) mas, como disse, não é muito linear.

Apesar de haver comparticipação, é possível comprar por um valor um pouco mais baixo. Uma das hipóteses é tornarem-se sócios da Associação Portuguesa de Fertilidade que tem protocolos com farmácias. Atenção que os protocolos não são iguais e deve estudar-se antecipadamente o mais favorável. A APFertilidade fornece a lista de empresas com as quais tem parceria. Outra possibilidade é terem descontos em farmácias parceiras do hospital ou clínica em que estão a realizar tratamento. De há dois anos a esta parte eu comprava as famosas picas na Farmácia Campus de S. João que faz 10% de desconto nas injeções cuja receita tivesse proveniência do HSJ. Os comprimidos consigo comprar também com desconto na Farmácia São João, na Circunvalação.

As injeções não estão à venda em todas as farmácias. No HSJ, por exemplo, fornecem uma lista com aquelas em que estão disponíveis.

Embora haja um número restrito de farmácias que vendem as gonadotropinas, é possível que num determinado dia estejam esgotadas. Aconselho a não entrarem em pânico imediatamente. Podem telefonar para outras farmácias para ver se têm stock; encomendar para aquele próprio dia e mais tarde recolher; caso seja impossível arranjar para o próprio dia (supondo que têm de começar nessa mesma data) há outra hipótese que é comprar uma embalagem com menos doses do que a receitada (têm de contactar previamente o médico para ser dada autorização), pagar o PVP da embalagem com receita suspensa e pedir ao médico que passe uma receita para aquela caixa, para que possam solicitar a devolução do remanescente, na farmácia onde fizeram a aquisição. Passei pelas três experiências que descrevi.

Aconselho que após a compra dos injetáveis se vá imediatamente para casa. Surgem muitas dúvidas sobre as condições de armazenamento. Alguns fármacos vêm já preparados, outros carecem de diluição. Para não haver equívocos, conservem sempre no frigorífico. Assim não há stress ou confusão. Se, por motivos de força maior, tiverem de estar fora de casa na hora em que a injeção deve ser dada, transportem-na convosco numa mala térmica com acumuladores de frio.

Alerta aicmofóbicos! As agulhas não são a coisa mais terrível da infertilidade. Vão ser as vossas melhores amigas, porque vos ajudarão a chegar ao objetivo supremo. Vejam isto como um mantra. Há picadas de inseto mil vezes piores. Ficarão surpreendidas por, na generalidade, não sentirem nada. Se me dessem a escolher entre dar injeções na barriga e aturar a gosmice do Progeffik a cada 8 horas, semanas a fio, não tinha dúvidas de que a minha escolha recaía nas agulhas.

As agulhas usadas não devem ser colocadas no lixo comum! Podem entregá-las numa farmácia. Aproveitei uma das caixas de Menopur para depositar todas as agulhas, seringas, frascos e cartuchos que irei entregar numa farmácia, logo que isto terminar, porque não tenho nenhum contentor de Resíduos Hospitalares do Grupo IV.

Não vou explorar os protocolos de administração, porque dependem do fármaco e vocês terão ensinos sobre o assunto. Organização vai ser palavra de ordem e devem arranjar-se os mecanismos adequados para tentar levar o processo num maior estado de calma possível. Usava uma tabela como esta abaixo para me orientar durante a estimulação. Não a elaborava a computador, era mesmo à mão, numa folha de rascunho. Só a fiz agora em formato digital para verem como a tinha estruturado. O Orgalutran ficava durante alguns dias com as linhas vazias e quando o iniciava, fazia coincidir a cruz com a data da gonadotropina usada. Imaginemos que quando começava o Orgalutran era altura de dar a injeção da gonadotropina do lado esquerdo, então o Orgalutran seria do lado direito.


Se tiverem receio de falhar a hora das injeções, programem o despertador do telemóvel. Isto também é válido para os comprimidos.

Os frascos ou cartuchos onde vêm as gonadotropinas têm um número de doses superior ao indicado na embalagem. Vamos supor que uma estimulação é feita diariamente com 150 UI de Puregon. A caixa comprada foi a de 900 UI. Teoricamente no 6.º dia o cartucho deveria ficar vazio, no entanto isso não acontece. Os médicos têm conhecimento disso e sabem quantas unidades adicionais traz. Ao prescreverem nova receita, caso seja necessária, têm em conta esse valor para não gerar tanto desperdício.

Relativamente aos comprimidos, como indiquei no post de ontem, aconselho que façam as compras de forma racional, embora seja mais trabalhoso. Imaginemos que uma receita tem duas caixas de Progeffik e o aplicam 3 vezes por dia. Cada embalagem tem 60 cápsulas que dão para 20 dias. Se estivermos a realizar uma TEC, desde o dia em que se começa o Progeffik até ao beta passam, no máximo, 20 dias. 

A lista que se segue contém alguns fármacos que tomei e as quantidades em que são frequentemente comercializados.

Acfol - 50 comprimidos
Estrofem - 28 comprimidos
Progeffik - 60 cápsulas
Folicil - 20 ou 60 comprimidos
Zumenon - 28 ou 2x 28 comprimidos
Lovenox 40 - 6 seringas pré-cheias
Lepicortinolo (Prednisolona) 5 mg - 60 comprimidos
Cartia - 28 comprimidos
AAS 150 - 30 comprimidos

Por um lado queixamo-nos que o tempo é longo e parece não mais acabar. Quando um tratamento é iniciado recebemos muita informação, andamos com caixas e mais caixas de medicamentos e cada um tem uma altura específica para começar a ser tomado. Destinei um nécessaire apenas para PMA. Não quis misturar com os restantes fármacos que tenho em casa. Podem usar uma caixa, uma bolsa, um saco... mas acho importante separar do resto. Quando temos consultas, perguntam com frequência de que quantidades dispomos, para saberem se é necessário prescrever mais receitas. Então a próxima dica é, antes de cada consulta, contabilizar a medicação e anotar, se não se conseguirem lembrar.

Assim como já doei e ainda vou doar, também beneficiei de quem fez o mesmo no hospital. Não é invulgar precisar de apenas uma seringa pré-cheia ou um frasco de solvente. No HSJ e provavelmente noutros locais, há utentes que doam medicação sobrante dentro da validade, por já não precisarem. Perguntem à enfermeira se há algo que possa ser dispensado, são uns trocos valiosos que podem poupar. Lembro-me que me aconteceu de usar apenas uma seringa de uma caixa de Orgalutran que continha 5 unidades. Também me sobrou Decapeptyl 0,1. As próprias seringas ou agulhas ainda não usadas de canetas, podem ser igualmente doadas, se o hospital tiver necessidade e ainda estiverem dentro da validade.

No que diz respeito a colheitas de sangue, também há dicas! Numa eventualidade de terem de realizar colheitas com muita periodicidade, alternem os braços. Numa das gravidezes que tive com suspeita de ectopia, fiz 8 colheitas para medição de beta-hCG, a maioria dia sim, dia não. Aconteceu no verão, quando a minha pele está estupidamente sensível com o calor. Na maior parte das vezes, o sangue foi colhido do mesmo braço. Se as minhas veias tivessem capacidade para se exprimir verbalmente, gritariam por clemência. A reação alérgica era quase imediata. Outro aspeto que facilita a vossa vida: não deixem o penso rápido muito tempo na pele. Isso evita as alergias ao adesivo e ajuda a que a pele e os pelinhos não sejam arrancados por ter estado colado indefinidamente.

Estavam à espera de mezinhas sobre pés, frutas e massagens da fertilidade? Lamento desapontar-vos se era isso que procuravam.


sábado, 25 de julho de 2020

Dia 13 - TEC 9

Tic tac, tic tac, o relógio avança rapidamente, rumo ao dia 27 de julho. Às 9h50 estarei na junta de freguesia para fazer a recolha de sangue. Sim, na junta. O centro de saúde tem uma área diferenciada para pacientes com suspeita de Covid, então as colheitas tiveram de passar a efetuar-se noutros locais.

Tive uma ou outra pontada no útero e mais nada significativo.

Tentei não criar um stock de medicamentos mas já tenho algumas coisas empatadas que vou doar ao hospital, nomeadamente duas caixas completas de Lovenox 40 e outra parcial. Possivelmente sobrará uma embalagem de Progeffik, outra de Acfol e Estrofem. O meu nécessaire destinado em exclusivo para PMA já fecha na totalidade. Fiz asneira daquela vez que comprei todo o Lovenox que estava na receita. Foram, salvo erro, 6 caixas de uma vez só e no fim usei apenas três, mais algumas seringas de outra, porque a gravidez terminou mal, comme d'habitude... Às vezes perde-se o fio à meada à quantidade de caixas que se comprou a partir de uma determinada receita, porque vai-se introduzindo um, outro, mais outro medicamento. Quando se entra nestes meandros, não se pensa que uma parte significativa pode nunca vir a ser ingerida, então avia-se tudo. O problema é que por vezes as coisas correm mal e além do desgosto por não ter resultado, há dinheiro que fica empatado. Pode dar mais trabalho mas o melhor é estimar o que vai ser necessário até ao beta e comprar de forma racional. Em seguida, logo se vê. Com as injeções usadas na estimulação não dá para fazer essa gestão. Vai-se aprendendo com os erros. Nunca é demais dar estas dicas, porque os medicamentos não são propriamente baratos.

sexta-feira, 24 de julho de 2020

Dia 12 - TEC 9

O meu estado de espírito é uma espécie de onda sinusoidal, que neste momento se encontra num pico de serenidade.

Esta tarde fomos ao supermercado e ao passar no corredor dos congelados tive aquelas dores intensas no útero que duram alguns segundos. Mais tarde senti algumas náuseas e acho que o volume mamário está a começar a aumentar.

Não vou dizer que falta pouco para resolver o mistério, porque posso vir a dar de caras com um betinha e aí a situação pode arrastar-se mais algum tempo. Se voltar a ter de realizar colheitas dia sim, dia não, vai ser interessante ver a dinâmica do funcionamento do centro de saúde.

Depois de uma estagnação no meu peso, parece que está a recomeçar a reduzir, exceto nas mamas, que não devem ter muito tecido adiposo. Mesmo que perca mais 10 ou 15 kg, acho que se vão manter iguais. Elas pesam, atrapalham-me e causam problemas cutâneos. Podiam ter permanecido como eram quando tinha 15 anos, mas não...

quinta-feira, 23 de julho de 2020

Dia 11 - TEC 9

Começaram hoje as dores no útero quando me levanto. A tensão mamária associada ao Progeffik ainda não se manifesta.

A minha miúda de longos bigodes acha por bem massajar-me a barriga quando lhe deve parecer que estou a precisar. Aproveitou uns minutos da tarde em que se sentiu um pouco mais fresca para se meter comigo com as suas macacadas. Ela sabe como me fazer sorrir e gosta de me provocar com a traquinice que me deixa derretida. Somos cúmplices, temos um amor incondicional uma pela outra. Quero-lhe tanto bem a ela como desejo para mim. Não a vejo como um animal de estimação, é um membro da família. Tudo nela é especial, até a quantidade astronómica de pêlo que liberta todos os dias, porque aqui em casa o calor abunda grande parte do ano. A minha menina nasceu sem olhos. Vê melhor com o coração do que muito boa gente com todos os sentidos. Tem 70 cm de comprimento desde o nariz até à ponta da cauda em jeito de espanador do pó. A sua língua é mais abrasiva do que noutros gatos que tive, talvez para conseguir desembaraçar bem os longos pêlos. Adora fazer-nos esfoliações, consegue ronronar durante quase uma hora seguida, ressona como gente grande, espirra com alma, mia pouco enquanto está acordada mas é frequente miar quando sonha, bebe muita água desde pequena, não mastiga a comida, é esquerdina, não gosta de ser escovada, não se importa que lhe corte as unhas, é curiosa, rufia, dá turras que mais parecem cabeçadas, dá as boas vindas a quem vem aqui a casa de uma forma muito engraçada, é muito amistosa, oferece-me a barriga, pede e dá abraços fortes, encosta a cara dela à minha enquanto a abraço, conhece várias palavras e expressões, tem medo de trovões, esconde-se para me fazer esperas, desafia-me pondo-se a andar de lado para mim, tem um relógio suíço dentro dela, é uma criançola que vai fazer 9 anos em setembro e de sénior não tem nada. Estaria aqui horas a fio a escrever sobre a minha menina e não seriam suficientes para mostrar tudo o que ela representa para mim.

O meu coração está um pouco mais calmo. Não vale a pena desesperar. Venha o beta, que depois reoriento-me.


Dia 10 - TEC 9

Mais um pouco de nada.
A semana está a fluir rapidamente, o que é bom. Desejo que os dias que faltam passem ainda mais depressa para poder sossegar uma parte da mente. É difícil desligar-me, deixar de traçar cenários. Seria bem mais fácil viver esta experiência se nos fossem feitos shutdowns em alturas específicas.

É um período estranho este que estou a viver. Os últimos 5 anos foram pesados, habituei-me a uma normalidade de desordem, em que tentei não descarrilar para manter o discernimento e aguentar as situações que iam ocorrendo. A infertilidade dominou uma fatia significativa e o que a rodeava estava fortemente associada a ela. Foi preciso um grande esforço para manter a lucidez.

A morte do meu pai influenciou em grande medida a minha capacidade para dar a volta às adversidades. Estava a terminar o curso quando assisti à sua morte, em plena época de exames. Já tinha concluído os exames das cadeiras daquele semestre, faltavam dois aos quais me tinha inscrito para fazer melhoria de nota. Estudava a 400km de casa e as semanas que se seguiram foram muito solitárias, porque não me sentia à vontade para incomodar os meus colegas. Eles tinham de estudar para os exames, então não achava correto interrompê-los. O meu primeiro luto foi passado na companhia de Colóides e Superfícies e Química Física. Melhorei as notas, foi um aspeto positivo. Depois desse ano letivo ter terminado fiz estágio pedagógico, ainda longe da minha base familiar. O volume de trabalho era tão intenso que a disponibilidade para ir à terrinha era pouca. Os fins de semana muito esporádicos eram espremidos, devido ao enorme tempo de viagem. As poucas horas que passava em casa da minha mãe não eram muito diferentes do que antes, porque até o meu pai adoecer, ele trabalhava frequentemente ao fim de semana. A queda para a realidade não se deu totalmente nessa altura. Foi no regresso ao lar, após terminar a licenciatura, que se deu o verdadeiro processo de luto, pois percebi realmente que ele já não estava connosco. Apesar de o ter visto partir, a situação era surreal demais em relação a tudo o que vivera até então. No maldito dia, senti um desespero desmedido. Tinha a noção clara de que estava prestes a acontecer mas ninguém está verdadeiramente preparado para perder alguém, por mais inevitável que uma situação pareça. Ver a degradação do seu estado, minuto a minuto, até ao último suspiro (que expressão tão real!), acordou em mim um ódio descomunal. Ele faleceu num domingo, dia 26 de janeiro de 2003, às 17h20, em casa. Naquela altura não havia capela mortuária na terrinha, então o caixão encontrava-se aberto na sala da nossa casa. O funeral foi na terça-feira, ao início da tarde. O que antecedeu a morte e os dias seguintes até ao funeral, foi mau demais e não vou desenvolver. O padre que celebrou o ato fúnebre foi a cereja no topo do bolo, pelos piores motivos.

Voltando ao luto, deparei-me com um vazio ensurdecedor. Mantive durante algum tempo o ato reflexo de espreitar quando é que ele chegava do trabalho. Sonhava tantas e tantas vezes que ele tinha morrido mas, do nada, estava de volta, embora fosse desaparecer novamente, porque o cancro não o tinha largado. Continuo a sonhar com ele regularmente e é sempre com esse tipo de características. Custou-me perceber que a minha vida tinha de continuar e que nada que fizesse ia trazê-lo novamente à vida. Era como se tivesse remorsos de me permitir ser feliz. Esta perda tão dura marcou a minha forma de encarar o que de negativo se seguiu. Trouxe-me alicerces para lidar com a desilusão, tornou-me menos inocente e pouco apta para reconhecer que as coisas boas podem acontecer.

quarta-feira, 22 de julho de 2020

Dia 9 - TEC 9

Esta tarde aninhei-me a separar roupa para lavar. Pouco depois de me ter levantado, e não foi de forma brusca, fui invadida por umas náuseas muito fortes durante cerca de meia hora. Nunca me tinha acontecido isto.

Em alguns momentos do dia senti pressão na zona do útero, principalmente quando me punha em pé, mas ainda não tive aquelas pontadas agudas a que estou acostumada das outras transferências.

A fome vai aparecendo, mesmo a seguir a uma refeição, embora penso que também aconteceu com TEC negativa. Tenho quase a certeza de que não estou grávida.


segunda-feira, 20 de julho de 2020

Dia 8 - TEC 9

A requisição do beta ainda não estava pronta. Tive de aguardar que a médica a passasse. Consegui marcar o beta para o dia 27 sem complicações, fiquei surpresa. A entrada do centro de saúde estava um pouco confusa. As pessoas ficam nervosas e a intolerância vai sendo cada vez mais acentuada. Toda a gente já percebeu que a "normalidade" não se vai instalar tão cedo, motivando ansiedade por não se conseguir fazer as coisas como antes. Acho que vários dos hábitos que estão a ser adquiridos vão integrar as nossas rotinas futuramente e teremos de nos adaptar a todas as mudanças que ainda vão acontecer.

Falta uma semana para o beta e não sei quanto tempo mais para sair o resultado. Quando se está mais certo de um resultado negativo que positivo, uma espera tão prolongada pelo beta vai gerando um sentimento ruim. Não vou, contudo, fazer teste de farmácia por causa do meu cadastro de betas baixos e gravidezes bioquímicas. Não me traz qualquer tranquilidade, só serve para me enervar.

O Progeffik não fez das suas com o aparecimento de tensão mamária. A gastrite está adormecida, não tenho fisgadas no útero. Vou tendo uma sensação de fome ocasional, é a única coisa diferente. Preciso de arranjar algo para me distrair durante a semana.

Dia 7 - TEC 9

Tenho evitado falar de perdas de sangue mas no meu histórico foram uma parte importante. Atendendo à cronologia das outras transferências e do número de dias do embrião, poderia ser hoje que as mesmas dariam sinal. Não detetei nada. Esta tarde tive a leve impressão e não estou certa de tal, que senti uma ligeira moedeira, como se a menstruação estivesse a chegar. Se não me enganei nesta sensação, pode ser manifestação de efeitos secundários do cocktail químico, por isso não vou valorizar.

Estou a preparar uma bandeira branca para me render. Disseram-me uma vez que um dia iria descobrir o motivo ou um propósito que justifica tudo o que me aconteceu. Foi numa tentativa de me confortar mas não tenho capacidade de encaixe para interiorizar essas palavras com a intenção com que mas disseram.

Já relatei algumas vezes sonhos que tive relacionados com a maternidade. Sou daquelas pessoas que têm uma grande facilidade em se recordar dos sonhos, mesmo quando numa noite são vários. Nas vésperas da TEC sonhei que tinha um filho com um ano mas durante aquele período estava a ser educado por uma prima muuuuuiiito afastada que se encontrava super grávida. Era o dia do seu batizado, ia conhecê-lo e a partir daquela altura ficaria com ele. Não sei que circunstâncias levaram a que ele não estivesse comigo no seu primeiro ano de vida. Outra coisa estranha é o contexto da situação. Sou ateia mas não tenho problemas nenhuns em ir a cerimónias religiosas. O bebé (não sei como se chamava) vestia um vestido/túnica branca, sem fralda. Pensei que a ausência de fralda tivesse a ver com alguma coisa relacionada com o ritual, apesar de nunca ter visto isso noutros batismos católicos. Não me sentia no direito de assumir o papel de mãe quando não o conhecia sequer, nem tinha acompanhado o seu crescimento. A minha prima pôs-me à vontade para pegar nele numa espécie de passagem de testemunho. Foi então que a nossa ligação começou. Sou inexperiente com bebés e tinha uma preocupação imensa em não fazer asneira com ele no meu colo. Alguns segundos depois comecei a sentir algo estranho na mão esquerda. Ele estava desfraldado e quando espreitei para a mão, vi que o número 2 estava a conhecer a luz do dia. Fui perguntar se alguém tinha lenços ou outra coisa para remediar a situação. A juntar-se ao número 2, veio também o número 1. Já não era só a mão que tinha sujidade, o seu corpo e as nossas roupas também. Apesar de borrada, tinha o meu filho desconhecido ao colo. O sonho terminou aí.

Acontece com muita frequência ser a última a saber que estou grávida, que tenho filhos ou estes passam os primeiros tempos da sua vida com outras pessoas. Não sei porque é que sonho nesses moldes. Antevejo que na véspera do beta vem mais uma noite recheada de sinapses esquisitas.

sábado, 18 de julho de 2020

Dia 6 - TEC 9

Este período de espera até ao beta está a ser produtivo no que diz respeito a introspeção. Perco-me nos meus pensamentos. Reflito acerca do passado, presente e hipotéticos futuros. O meu futuro neste momento, encontra-se numa situação semelhante ao programa de TV que havia dantes, o Agora Escolha. Só falta o público votar no final da história que quer ver.

Tenho reparado que ultimamente a política do hospital no que diz respeito à altura em que o beta é realizado tem sido fazer duas semanas depois da transferência (pelo menos no meu caso), mesmo com blastocistos. Talvez seja para que o valor tenha mais consistência, em vez de se ficar no limbo dos nins.
Esta semana que vem vai durar uma infinidade...

Não há nada a relatar, nem sequer efeitos secundários da medicação. É um tédio...

Dia 5 - TEC 9

À exceção do calor que me derreteu, não aconteceu nada. É estranho ainda não ter sentido sequer aquelas dores fortes no útero que por esta altura, nas outras transferências, já se manifestavam quer em positivos como negativos. Acho que as mamas também não aumentaram de volume, nem as sinto doridas.

Vou ser honesta quanto à minha esperança neste momento. Se eu tivesse uma balança de pratos em que um correspondia ao positivo e o outro ao negativo, este último estaria bem abaixo do primeiro. Esta animosidade tem a ver com algo tão simples, como ter uma dificuldade imensa em pensar que a minha história terminará como tantas que li e acompanhei. É, no fundo, embarcar na velha máxima de que as coisas só acontecem aos outros. Detesto ter esse pensamento. Não deixa de pairar a ideia "por que raio vais ser daqueles casos clássicos que, na última tentativa, consegue concretizar o seu sonho?". No que toca a infertilidade sou arrasadora em relação a mim mesma. Se calhar é algum mecanismo de defesa que tento arranjar na esperança de um dia ser agradavelmente surpreendida. Às vezes penso que estes devaneios não têm coerência nenhuma. É como me sinto, se tem algum sentido, não sei.

Foram finalmente divulgadas as datas de candidatura para o curso que quero tirar se o resultado da TEC não for favorável. Felizmente o período é bastante dilatado e não vou precisar de tomar uma decisão para ontem, como tem acontecido em praticamente tudo. A propina é baixa, o que é ótimo. A desvantagem é que, sendo a tempo integral, durante dois anos a parte profissional vai estar reduzida a praticamente nada. Deverei conseguir conciliar com algumas prestações de serviço que poderão cobrir as despesas com o curso. Tenho de pensar que esta aposta é na tentativa de me proporcionar uma "segurança" laboral maior do que aquela que tenho, que é nula. Se for a fazer bem as contas a estes anos todos em que fui acompanhada no SNS, perdi tanto ou mais dinheiro do que aquele que teria gasto no privado. Trabalhei maioritariamente a tempo parcial para conseguir conciliar com as mais de 100 deslocações que fiz ao hospital. Este valor é real, não o estou a inflacionar. Eu tinha feito há tempos uma estimativa que rondava o número 90. Contei no início desta TEC os registos na Área do Cidadão, no portal do SNS. Não queria acreditar quando vi que estava nos 100 e percebi que faltavam ainda alguns atos clínicos. Considerei na contagem apenas o que estava relacionado com o que foi feito no âmbito de infertilidade, desde o primeiro acompanhamento no Hospital Pedro Hispano (o maior estorvo do meu processo).

Quando me refiro a centenas de horas passadas em salas de espera, milhares de comprimidos, muitas dezenas de ecografias, milhares de euros, não é uma hipérbole. Traduz a minha realidade. Quando isto acabar vou colocar aqui um printscreen das tabelas que forneci nos dois estudos em que participei. Vou também divulgar um apanhado geral de todos os números daquilo com que convivi desde que decidimos tentar a nossa sorte.

Esta manhã uma companheira de luta do fórum onde conheci gente formidável, foi ao Programa da Cristina. Aconteceu aquilo que previa. No escasso tempo que houve para explorar o tema ela conseguiu ser incisiva e muito assertiva no que disse mas ficou a faltar o principal: tempo. É impossível falar devidamente sobre infertilidade naqueles moldes. Dou os parabéns por, tanto ela como o marido, terem participado no programa para nos dar voz. No que toca a este tema a Fátima Lopes tem outro arcaboiço, porque ela vivenciou a PMA. Sabe como tocar no assunto e dedica-lhe mais tempo sendo, mesmo assim, insuficiente. A desvantagem é que o horário da tarde não deve agarrar tanto público como o da manhã. O problema dos programas de televisão é que, como se fala superficialmente do assunto, este acaba por ser desvalorizado. Perpetua a ideia que acontece a meia dúzia de pessoas e com umas injeções tudo se resolve. O Blogger, em contrapartida, nunca me limitou naquilo que escrevi. Pude exprimir tudo o que quis, quando bem entendi, da forma que me fez mais sentido. Aqui sinto-me livre, nunca quis esconder nada, porque também estive do lado de leitora em busca de alento. Encontrava muito pouco e decidi que ia construir este "livro" em tempo real. 

sexta-feira, 17 de julho de 2020

Dia 4 - TEC 9

O que me incomoda atualmente num ou dois períodos do dia são as náuseas. Não sei se é da combinação do Estrofem com este calor.

Dentro de casa estão 30°C e só saio em último recurso como foi esta manhã, para tratar da marcação das análises. Não tratei, voltei para trás sem nada resolvido. O meu centro de saúde tem um funcionamento peculiar que ainda não consegui perceber. Desde que começou o estado de emergência, a comunicação é feita basicamente por mail. Tem sido eficaz, ao contrário do que acontece presencialmente, que me sinto um extraterrestre de cada vez que me dirijo à parte administrativa. Cada um diz uma coisa diferente. Quando sigo as instruções dadas por um secretário clínico, em que tenho de voltar noutra altura para concluir o que é necessário cumprindo as indicações dadas, outro que me atende olha para mim como se eu estivesse a solicitar algo absurdo. O padrão mantém-se desde que estou inscrita naquela USF há 10 ou 11 anos (o pessoal que lá trabalha não mudou). É raro conseguir resolver alguma coisa sem ter de lá voltar duas, três ou até quatro vezes. Na terça-feira enviei e-mail para saber se a minha médica de família podia requisitar a análise da hormona beta-hCg na data indicada pelo serviço de PMA do HSJ. Pouco tempo depois tive a confirmação que a médica iria fazer o pedido e que hoje já podia deslocar-me ao centro de saúde para fazer a marcação. Fui então esta manhã, não por meu capricho, mas porque tinha indicação que hoje seria possível concluir a situação. Como o Covid dizimou todas as outras patologias que existiam no planeta e agora praticamente toda a gente é saudável, à exceção de quem contrai o vírus, só havia uma senhora na sala de espera e uma secretária clínica ao telemóvel. Quando o telefone toca não atendem mas o telemóvel é uma história diferente. Esperei que a senhora realizasse o favor pessoal que estava a prestar para alguém. Depois de terminar a chamada e fazer algumas coisas no computador, teve a gentileza de me pedir desculpa pela demora. Falei da situação do e-mail e comecei a ver aquela reação de quem estava perante um ET que balbuciava coisas desconexas. Foi procurar a requisição numa capa, depois noutra e não havia nada com o meu nome. Depois da busca acabou por dizer "venha na segunda-feira, só vai estar pronto nesse dia". Tentei certificar-me se, ao proceder ao agendamento da colheita, podia selecionar a data e ela afirmou com alguma convicção de que não haveria problema. Continuo sem certezas disso, uma vez que tudo foi e está a ser cancelado na ULSM e só com uma certa pressão é que se consegue fazer alguma coisa. Foi assim com as análises da função tiroideia e com o meu marido, igual. A propósito de cancelamentos, penso ter referido algures para trás que aguardo uma consulta de gastroenterologia no HPH. Foi pedida em novembro de 2019, adiada uma vez por impossibilidade do médico, como me acontecia frequentemente quando era lá acompanhada nas consultas de infertilidade. A minha médica de família diz que alguns utentes queixam-se do mesmo e com outros funciona tudo bem (o meu marido é exemplo). A nova data agendada coincidiu com o estado de emergência, então foi suspensa mais duas vezes e ainda não recebi nova marcação. Estou a tentar perceber se sofro de alguma doença inflamatória intestinal que está a interferir no meu bem estar. Há poucos dias fui encaminhada para imunoalergologia. O tempo de espera máximo é de 120 dias (em estimativas pré-covid, como acontecia com gastroenterologia). Feliz de mim que fiz o rastreio ao estômago e cólon em setembro ou outubro passados e foi possível remover o décimo pólipo gástrico que decidiu habitar o meu estômago, antes da pandemia ter bloqueado o mundo. O meu marido fez uma cirurgia a 27 de fevereiro. Poucos dias depois as cirurgias foram suspensas. Estes são exemplos menores, em comparação com problemas gravíssimos que certamente andarão camuflados por aí, porque parece que, de repente, ninguém precisa de cuidados de saúde extra-covid.

Não estou rabugenta, tenho apenas uma enxaqueca mas por enquanto a prensa onde a minha cabeça está enfiada não se encontra muito apertada. Convoquei à tarde a minha massagista ronronadora para prestar serviços e ela não se fez de rogada. Trabalhou bem! Realizou a tarefa suplementar de me esfoliar, não precisei de lhe pedir, pois é inato nela. Os seus ronrons terapêuticos emitem frequências que são benéficas para manter-me zen q.b. 

A fome que sinto neste momento é anormal, acho que não estou a ser ludibriada pela gastrite. Há uma fronteira ténue entre a sensação de fome e a dor da gastrite de estimação mas o estômago não está a roncar.

Não tenho pontadas no útero, as mamas continuam com o tamanho (grande e pesado) habitual, o Progeffik sai branquinho. Permaneço na mais pura ignorância sobre se estou só ou acompanhada de vida.

quarta-feira, 15 de julho de 2020

Dia 3 - TEC 9

Meu mini-nós número 14, como estarás tu? Eu estou a ferver, não de raiva, porque não tenho motivos para isso mas sim, de calor. Se a temperatura dos meus pés é determinante para o teu bom acolhimento, então o sucesso está garantido. Ah, apostei mais uma vez numas rodelas de abacaxi com o talo (só dois dias) mas cometi a imprudência de o fazer ao jantar e não em jejum. Tiveste sorte de não manifestar as pequenas reações que às vezes me acontecem quando como esse fruto. Tenho bebido muita água, não é nenhum sacrifício para mim, pois é a minha bebida favorita e a que verdadeiramente me sacia a sede e a alma. Estou contida na realização de esforços, embora ontem à noite me tenha excedido (exponencialmente) por um imperativo fisiológico, do foro intestinal, com que sou contemplada quando o rei faz anos. Felizmente não foi necessária ajuda externa mas ainda estou em sofrimento. Agora ao final do dia e já depois de ter jantado senti fome, aliás, há aqui um ratito que está a dar sinal mas é muito cedo para ser obra tua, não me vou iludir!

Amanhã vou dar-te música para continuares a multiplicar-te com ritmos animados. Como está muito calor, a tua irmã de longos bigodes tem andado desleixada nas suas funções de massagista e só quer estar debaixo da cama dos teus papás. Vou recrutá-la para te mandar as suas boas vibes, ela é especialista nisso.

Gosto de imaginar as conquistas que podes ter realizado e para isso tenho a ajuda desta página Da Célula ao Sistema que dá algum pormenor das façanhas que pequenos heróis como tu conseguem alcançar.

Dia 2 - TEC 9

Desta vez o Estrofem vai causando mais momentos de náuseas, apesar de o tomar como sempre me recomendaram no hospital, ou seja, um comprimido de manhã e dois à noite.

Já tratei com a médica de família da requisição para o beta, quinta-feira vou fazer o agendamento. Espero que essa parte não me traga chatices e consiga marcar para o dia 27. É muito provável que só saiba o resultado da colheita alguns dias depois.

Quando os embriões estavam em cultura, não reuniam condições para ser feita biópsia ao quinto dia, só no sexto é que foi possível. Os que transferi (este e o de fevereiro) ainda tiveram fôlego suficiente para aguentarem a saída do frio a 77K. Que guerreiros! Aliás, todos foram gigantes. Os meus pequeninos filhos têm a minha profunda admiração. Lamento por toda a crueldade a que foram sujeitos.
Não os encaro como aglomerados de células. Mesmo que os tivesse visto ao microscópio seriam os meus perfeitos filhos. Entristece-me não ter qualquer tipo de memória visual registada. O máximo que houve foi uma ecografia com os restos ovolares que foram aspirados e que tive de entregar no piso 3, após uma ida às urgências. Guardo de bom na memória as nove vezes que vi aquelas luzinhas brilhantes serem transferidas e a ecografia da minha menina que era tão somente o mais belo ponto preto que vi na vida.

O meu marido não teve oportunidade de assistir a nenhum desses momentos. Idealizava que algum dia lhe fosse dada a possibilidade de, por exemplo, ver uma transferência de embriões para ele perceber ao que me refiro quando falo do ponto brilhante. Não chegou a acontecer. Assistiu à primeira ecografia de 6 semanas em que a cavidade uterina estava vazia. Uma desilusão... Foi a outra ecografia de 6 semanas mas dessa vez disseram-lhe para estar junto à minha cabeça, atrás do monitor. Não se encontrou nada, mais uma vez. Esteve comigo quando fiz a histeroscopia, viu a minha agonia durante as biópsias e o estado em que fiquei a seguir, em que quase desmaiei. Continuou na sala enquanto fui deitada numa marquesa e uma enfermeira me deitou um pacote de açúcar debaixo da língua. Fora isso assistiu a injeções, análises, à toma de milhares de comprimidos, consultas, estados de dor excruciante após punções, abortos e quase todas as conversas com as biológas, antes das TEC. Sempre que pôde criou raízes comigo na sala de espera, teve cuidado com as tampas na estrada, lombas e obstáculos que criavam oscilação do carro, para reduzir o meu sofrimento de cada vez que estava hiperestimulada. Esteve presente em todos os resultados do primeiro beta.

A visão desta parte da nossa história, através dos olhos dele, não teve definitivamente boas recordações.

Soa a despedida, não soa? Independentemente do resultado estou de facto a despedir-me de muitas das etapas que não se vão repetir mais. Já disse adeus aos cancelamentos, hiperestimulações, punções, preparações de TEC e transferências.

segunda-feira, 13 de julho de 2020

TEC 9

O dia não começou da melhor forma e como consequência estou a usar dados móveis para fazer atualização do blogue. Alguma coisa avariou no quadro elétrico, pelo que neste dia quentinho, estou sem eletricidade em casa. Tomei um belo banho às escuras, o almoço que tinha planeado aquecer quando regressasse a casa teve de ser substituído por uma refeição quente que fui buscar ao take away em frente ao meu palácio. Tudo em minha casa depende da existência de eletricidade. Preocupa-me o tempo que vou continuar assim com frigorífico e arca sem funcionarem.

Depois do incidente matinal que mudou toda a minha disposição para o dia que mais aguardei neste tempo todo, fui para o hospital. Sozinha, fui informada sobre como se aguentaram os pequenos. Sabia de antemão que havia um embrião mais débil e que tinha pouca possibilidade de vingar. Foi o que aconteceu... Transferi o outro que não manifestou problemas. Tenho então comigo o embrião número 14.

O rebelde Covid alterou também a dinâmica do beta. Agora o hospital não faz, pois neste planeta mais nada acontece a não ser a pandemia. Vou ter de pedir à médica de família uma requisição e espero conseguir  fazer colheita no dia 27, caso contrário terei de ir a um laboratório particular. Enviarei posteriormente o resultado ao hospital por e-mail. Mantendo-se o padrão das minhas transferências poderá aguardar-me uma gravidez bioquímica. Há algo dentro de mim que diz que vou engravidar. O que se seguirá, não sei.

terça-feira, 7 de julho de 2020

Princípio do fim

"O endométrio está que é uma categoria!" como sempre... Hoje não foi apelidado de bonito. Tem 9,2 mm de formosura e muito amor para dar aos mini-nós 14 e 15. Segunda-feira, 13 de julho, será o primeiro dia do resto da minha vida em que irei, espero eu, aconchegar as últimas junções mágicas das nossas células. Desejo imensamente que o meu corpito inóspito, mascarado de lobo em pele de cordeiro, receba e acolha até abril do próximo ano estes milagres da bioquímica. Não sinto mais pressão por se tratar da derradeira tentativa. Há um misto de alívio e de curiosidade sobre o meu futuro próximo. Como mencionei há uns meses, tenho em stand by a ideia de regressar à universidade. Tudo depende do resultado da TEC. Preciso urgentemente de tentar resolver o problema do ridículo em que a minha vida profissional se tornou. Se o resultado for positivo, irei viver cada hora com receio de que o fim pode estar próximo.

Ficarei muito grata se os dois pequenos continuarem rijos após a desvitrificação. Se tudo correr bem, será a sexta vez que vou transferir dois embriões. A última altura em que isso aconteceu tinha 37 anos, transferi-os um dia depois de me casar. Foi a gravidez mais "evoluída" que tive, a da minha menina. Foi também o aborto mais complicado e duradouro. A hemorragia estendeu-se por mais de um mês e o assunto só ficou resolvido com uma aspiração. Tivemos sempre consciência que ao transferir dois embriões, a possibilidade de ambos implantarem não era ficcional. Aparentemente nunca sucedeu comigo mas não sei o que me aguardará daqui a uns dias.

Parece que consegui domar a tiróide, pelo menos por enquanto. A TSH está a 1,258, o que é ótimo. Nesta altura, é fundamental que o valor seja abaixo de 2,5 e que, obviamente, não esteja em situação de hipertiroidismo. Estou super, ultra, mega aliviada por chegar a esta fase com a função tiroideia controlada. Foram necessários 9 meses e três alterações de dosagem de Eutirox para chegar a este patamar.

Esta noite inicio Cartia, amanhã à tarde começa a saga do fantabulástico Progefikk e os seus efeitos secundários.

Não vou ter nenhum frente a frente com uma zaragatoa, bastou responder a um questionário e medir a temperatura.

Se necessitar do inalador para a asma posso usá-lo.

Espero que a semana passe rapidinho, estou com muita vontade de que chegue segunda-feira. O beta vai ser no dia 27 de julho.

quinta-feira, 2 de julho de 2020

Outro estudo clínico - IVI

Estava com algumas reservas se deveria divulgar outro estudo que a clínica IVI está a realizar, dado o estado emocional em que as destinatárias do mesmo se podem encontrar e o assunto que se pretende estudar. Pelo que percebi, do ponto de vista processual, consiste em realizar apenas três colheitas de sangue até ser atingido o final do primeiro trimestre de gravidez. O título do estudo é "Predição precoce do aborto espontâneo após a fertilização in vitro com biomarcadores placentários circulantes". Este tema diz-me tanto... Mesmo que vivesse em Lisboa e engravidasse nesta TEC não poderia participar, pois não reúno alguns dos critérios necessários. Tenho imensa pena de não ter hipótese de dar o meu contributo num estudo desta natureza.
Podem ser consultadas algumas informações em https://bit.ly/2AeJtnY ou, à semelhança do ensaio clínico que divulguei no blogue, enviar um e-mail à Coordenadora de Estudos Científicos, Carla Jorge, através do endereço carla.jorge@ivirma.com

quarta-feira, 1 de julho de 2020

Atividade interna

Não sei o que se passa com o ovário direito mas hoje estou a dar pela sua existência. Há movimentos que realizo em que sinto-o, como se ele estivesse maior. Este sentir não é ao pressionar com a mão, até porque não tenho por hábito andar à procura dele. É mesmo quando me sento, levanto ou me ajeito numa cadeira ou sofá, as suas paredes tocam noutros noutros órgãos e dói. A sensação é igual à que tenho nas ecografias quando vão avaliar como estão os ovários ou quando começava a aperceber-me que estava a hiperestimular. Possivelmente o volume está a aumentar, uma vez que não estou mais sob influência da pílula. Os afrontamentos desapareceram e ainda não tenho a minha gastrite ativa que costuma manifestar-se quando tomo Estrofem. 
Desta vez estou com dificuldade em prever quando será a TEC, porque a próxima ecografia é na terça-feira e ainda preciso de fazer suplementação com Progeffik durante 5 dias. Não acredito que seja no sábado seguinte, apesar de, por vezes no HSJ fazerem transferências ao fim de semana. Acredito mais que seja na segunda-feira seguinte, ou seja, dia 13.