sexta-feira, 31 de julho de 2020

Regresso a mim

Segunda-feira passada foi mais uma prova de que há coisas que não estão ao alcance de todos. Ainda tinha reserva de uma solução de cloreto de sódio escondida para os lados dos meus olhos e libertei-me. Não me coibi, embora muitas vezes nos censuremos a nós mesmos, como se chorar fosse algo reprovável. Extravasei a mágoa não por ter acabado mas por me sentir profundamente desapontada por se ter extinguido a esperança, que foi o motor que me levou a aguentar tudo.
Mal vi o resultado, descarreguei o ficheiro e enviei para o hospital. Pouco tempo depois o negativo foi validado e dada a indicação para suspender a medicação. Fui também informada de que será solicitado às médicas o relatório da TEC e que o mesmo ser-me-á enviado por correio. Suponho que é assim que termina. Não falei com ninguém, não sei se vai haver um momento para se para ter alta. Respondi ao e-mail para perguntar se aceitavam o Lovenox que tenho aqui, assim como vários comprimidos que me sobraram. No dia seguinte uma das enfermeiras telefonou-me a confirmar que podia ir lá levar. Acho que a opção pelo telefonema, em vez de um simples e-mail para dizer que aceitavam, foi intencional. Era a enfermeira com quem tinha mais empatia, até porque somos oriundas de localidades próximas e metia-se sempre comigo por causa de uma lenda em torno de umas personagens lá da terrinha. Esse encontro em que irei levar o saco com a medicação será provavelmente a despedida. Era para ter ido ainda esta semana mas o problema elétrico que houve no dia da TEC resulta de algo grave no prédio, que me faz recear deixar a gata sozinha em casa, por existir risco de curto circuito e incêndio. Há dois dias danificaram-se dois equipamentos, a situação pode piorar enquanto não for feita uma intervenção em condições. Vou tentar ir ao hospital na próxima semana, num dia em que o meu marido esteja de folga e possa ficar aqui em casa.

Estou a tratar da viragem da página. Hoje veio a hemorragia de privação acompanhada de dor. O meu próximo passo é voltar a pensar em mim enquanto mulher amenorreica que está com 40 anos e precisa de saber o que é melhor na sua idade. Vou então marcar uma consulta de ginecologia. O foco vai deixar de ser a infertilidade. Pretendo impor alguma ordem no meu interior de funcionamento duvidoso, reduzindo ao máximo a probabilidade de vir a ter alguma patologia de caráter oncológico nestes órgãos inúteis. Por falar em consulta, parece que finalmente vou a gastroenterologia. Dizem que é no dia 6 de agosto mas só acredito quando estiver frente a frente com o médico.

Com a confirmação do negativo fiquei livre para me candidatar ao curso em que andava interessada. Ainda não formalizei, pois estou a aguardar que a instituição me diga se posso contactar com algum responsável do curso. Quero saber algumas informações concretas que vão determinar se vou para a frente com esta decisão.

Em relação ao blogue não quero que ele fique por aqui como o projeto de vida que levou à sua criação. Não sei bem o que fazer com ele mas alguma coisa há de surgir.

Não posso deixar de agradecer todas as palavras que me foram dirigidas, o apoio imenso que tive por tanta gente que acompanhou a minha história. Acredito que se não me tivesse ligado ao mundo digital em busca de respostas, partilhado ideias e não fizesse esta terapia de escrita, o meu caminho teria terminado há mais tempo. Apesar do desfecho considero que há alguns conselhos que posso dar. Se não houver nenhum impedimento, não baixem os braços num primeiro infortúnio. Não se limitem a usufruir do que a ciência oferece. Sejam interventivos(as) e contribuam para o seu progresso. Os estudos não aparecem todos os dias mas andam a fazer-se. Participem se tiverem possibilidade para tal e corresponderem aos critérios de seleção. Tenho vindo a insistir neste assunto, porque não creio na palavra sorte.

Se alguém que me está a ler se encontra na fase de ponderação entre continuar ou parar, deixe-me lembrar de uma coisa. A decisão não é feita em função do que outros possam pensar. Quando paramos é para dar uma oportunidade a nós mesmos de continuarmos a existir e renascermos.

Fui mãe de uma ideia durante 8 anos e 8 meses. Dediquei-me a isso de corpo e alma, de uma forma que jamais imaginei que fosse acontecer. Fiz, no fundo, aquilo que as mães fazem. A diferença é que não passou de uma ideia. Pus a mão na consciência e percebi que não podia deixar que a minha vida continuasse assim. Cada passo que correu mal aniquilou-me aos poucos até perceber que nada fazia sentido. Assim como na morte do meu pai e após todas as vezes que perdi um filho, a vida não pára, até ao limite do que as nossas células aguentam. Por muito que custe, temos de reescrever a nossa história.

5 comentários:

  1. Muito orgulho em ti ❤️ Uma força da natureza. E tenho a certeza que vais continuar com essa garra e veia lutadora em todos os desafios que vão aparecer pela frente.
    Eu, vou continuar aqui, a seguir te, a ver a vida a acontecer te... E ansiosa por ver este blog renascer.
    Beijinhos

    Diri1979

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  2. Só muito recentemente comecei a acompanhar a tua história porque só recentemente tive a coragem de assumir o meu problema de infertilidade mas acompanharei os teus próximos passos escritos, independentemente do caminho que escolhas.

    És um exemplo de coragem para todas as mulheres que pertencem a esta "tribo" ao tão bem documentares os desafios que te foram surgindo e a coragem com que os enfrentaste. Através da tua escrita transcendes a tua doença ao tocares o coração e inspirares de muitas de nós.

    Beijinhos

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  3. Também comecei a seguir-te há alguns meses, quando eu mesma estava à procura de respostas sobre a infertilidade. Torci para que desse tudo certo para ti e para mim. e pensei, 8 anos, não sei se conseguiria manter a esperança caso fosse comigo. mas tu mantiveste-a até ao fim. um grande beijinho, mesmo não te conhecendo, sei que serás bem sucedida em muitas outras coisas. como se costuma dizer, fecha-se uma porta, abrem-se várias janelas. continuarei a seguir o blog e desejo-te muita felicidade para a tua vida. Patricia B.

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  4. É uma mulher admirável. Admiro profundamente a sua coragem, determinação e preserverança.
    Desejo-lhe as maiores felicidades

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  5. PL tenho a certeza que um futuro maravilhoso está reservado para ti. Seja em que sentido for. Não existe apenas um caminho para a felicidade. Sinto uma profunda admiração pela forma como percorreste este caminho, obstáculo, após obstáculo. Agora está na hora de descansar de tudo isto e de te reencontrares. Embora o meu caminho ter sido bem diferente e o desfecho também, eu só me reencontrei muito recentemente. As marcas da infertilidade são mais profundas do que aparentemente parecem. Beijinho muito grande e tudo de bom

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