quinta-feira, 10 de abril de 2025

Uma luta solitária

Passei aqui pelo blogue e espreitei a listagem de posts que por cá andavam. Encontrei um, escrito em outubro de 2019, que não cheguei a publicar. Não me recordo se foi intencional ou mero lapso. Partilho o seu conteúdo nos parágrafos abaixo.



Demorei alguns anos a contar à minha família que estava a realizar tratamentos. Souberam na mesma altura que eu que só engravidaria com auxílio especializado, porque a minha mãe acompanhava-me nas variadíssimas consultas que tive na adolescência. Não tenho saudades dessa fase, a adolescência não acrescentou muito à minha vida a não ser preocupações por não me achar "normal".
Tive dificuldade em revelar que queria ter um filho por antecipar comentários relativos ao recurso a fármacos, exames e sedações para levar a cabo o meu intento. Não estava errada na minha suposição e sou frequentemente confrontada com isso. Qualquer coisa que me aconteça atualmente em termos de saúde, mesmo que seja algo que me incomode há mais de vinte anos, tem o mesmo bode expiatório. A seu ver estou a matar-me e na perspetiva da minha mãe, uma criança que nasça à custa de tanta medicação e artificialidade não pode ser saudável. Ela diz que gostava de ter um neto mas não nestas condições. Não conseguindo pela via natural, esta pela qual optei não é solução.
Como se pode ver o maior alívio surgirá daquele lado quando eu declarar que não farei mais tratamentos.

Ao longo do meu crescimento e já na idade adulta, pensava que não ia partilhar a minha vida com outra pessoa, por isso a ideia de união conjugal e da maternidade não fazia parte do que imaginava no meu futuro. Tinha um desejo intrínseco de ser mãe mas as condições para que tal sucedesse não estavam no horizonte. Estava convencida que ia viver eternamente sozinha para o trabalho e autosuficiência, num estilo de vida mais ou menos nómada, fruto da minha profissão. Julgava que algo que fosse além disso não me seria destinado, por só acontecer aos outros. Ironicamente conheci o meu marido em contexto profissional, embora nessa altura estava longe de cogitar que alguma vez nos fôssemos relacionar depois desse período. Não o via como alguém especial e diferente dos demais, era uma pessoa como outra qualquer. Os astros, cupidos, ou outro fenómeno qualquer cruzaram novamente os nossos caminhos e começámos meses depois a nossa relação. Os primeiros anos não foram fáceis por diferentes razões mas findas as tempestades, veio a bonança. Além do meu marido tenho uma filhota do coração com 21 anos. Sou orgulhosamente madrasta! Foi preciso partir muita pedra e ter uma dose infinita de paciência e esperança para chegar a este patamar. Não me arrependo de nada do que vivi para conseguir sentir-me neste estado.
Nós os dois estamos em sintonia em relação à necessidade de definirmos o que queremos. Seja qual for o resultado da genética e de possíveis TEC desta estimulação que não resultem, não vamos fazer mais nenhum tratamento nem optar por outras vias. Ele diz que mesmo que encerremos estes anos todos sem cumprirmos o objetivo, já tenho, apesar de tudo, uma filha.

Faltando meras semanas para completar 8 anos desta maldita caminhada é natural que haja um leque muito significativo de pessoas que sabem das dificuldades que tenho enfrentado. Sou naturalmente reservada e mais de perfil ouvinte. Por situações que vivi, cresci com a postura de não interpelar as pessoas para lhes colocar questões sobre a sua vida. Não porque sinta desinteresse pelo outro mas para não ser intrusiva e inconveniente. Imagino que essa minha discrição seja muitas vezes interpretada como despreocupação ou alheamento, como tal não sou espontaneamente procurada para alguém desabafar. Normalmente sou solicitada para outro tipo de situações e sabem que estou realmente disponível para ajudar naquilo que precisam.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Um estudo de enorme relevância

Tenho vindo a enfatizar ao longo dos anos a extrema importância da investigação. Está a ser desenvolvido um estudo que necessita de participantes, não é pedido nada de extraordinário e pode ter um impacto gigante nas perdas gestacionais recorrentes.

Infelizmente não posso contribuir, mas há tantas mulheres que o podem fazer! 

A informação relativa a este estudo pode ser consultada em https://sigarra.up.pt/fmup/pt/noticias_geral.ver_noticia?p_nr=95639

Divulguem o máximo que conseguirem.

domingo, 12 de janeiro de 2025

45

Eu, 45? Como assim?! Na passagem de ano dei por mim a refletir que a mudança de milénio parecia ter acontecido "ontem", no entanto já passaram duas décadas e meia. A minha perceção do tempo tem vindo a mudar. As coisas ocorrem num estalar de dedos, o que pode ser assustador.

Valorizo cada vez mais a calma, a simplicidade das coisas. A ponderação continua a fazer parte do meu dia a dia. Perturba-me o impulso, a tendência, o consumismo, a explosão de temperamento que leva a uma violência desmedida. Revolta-me a exaltação das aparências e do supérfluo em detrimento do suprimento das necessidades básicas.

Sobre a minha realidade, esta semana que passou soube que, à partida, terei de fazer uma cirurgia para a remoção da vesícula. Não se trata de uma situação assintomática. Tem vindo a ser cada vez mais incómoda e dolorosa. Tenho um cálculo com 16 mm que se tem feito notar, andava a suspeitar que pudesse ser a causa para o que tenho sentido. Analisando as várias condições relacionadas com o desenvolvimento deste tipo de achado, questiono-me se os milhares de comprimidos de estrogénio que tomei não terão dado um contributo. Daqui a pouco mais de uma semana vou perceber o que me aguarda e tomar algumas decisões.

A minha menina de bigodes tem 13 anos, goza de ótima saúde e continua o serzinho maravilhoso, perspicaz, sempre com a fantástica capacidade de adaptação que me surpreende. Derrete os corações de com quem ela priva, seja em casa, quando vai a consultas ou na tosquia. Por falar em coração descobri, após tosquiada, que o seu pelo tem um padrão com essa forma, do lado esquerdo do corpo, do qual nunca nos tínhamos apercebido. Derreti-me ainda mais...

sábado, 20 de julho de 2024

Num estalar de dedos

Passaram 4 anos. Parece que foi ontem que publiquei uma das poucas fotos que estão perdidas aqui pelo blogue e que ditou o fim da era mais dura que atravessei. As marcas deixadas pelos anos de incerteza, angústia e desilusão têm atenuado e, ainda que não tivesse duvidado, permanece a convicção de que parar foi a melhor decisão.

quarta-feira, 1 de maio de 2024

15 anos de nós

Quando tentava imaginar o futuro, pensava sempre que seria sozinha. Não achava que fosse necessariamente algo negativo mas, por alguma razão, aceitava que era o percurso que me estava destinado.

Em circunstâncias inesperadas para mim, criou-se uma ligação entre nós. Esta foi atribulada durante uns tempos para quem é adepta confessa da paz e sossego, e me fez várias vezes equacionar se estaria a enveredar pela decisão correta. Arrisquei aliás, arriscámos e, 15 anos depois, temos alicerces que considero fortes. Sofreram abalos, como penso que acontece em todas as relações. A meu ver a ponderação que prevaleceu à impulsividade foi fundamental para ultrapassar as provações que fizeram parte do nosso caminho.

Aprendi com o tempo a deixar de imaginar o futuro, porque tudo pode mudar de um momento para o outro. Não deixo, contudo, de desejar que um dia estejamos já velhinhos, lúcidos, a caminhar de mãos dadas na tranquilidade de um sítio em que somos felizes.

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Sobre o artigo

Estou a assimilar o retorno da publicação que a APFertilidade fez no Facebook relativamente ao artigo. Não sei se estou a interpretar corretamente, mas a temática é uma espécie de elefante na sala. Há uma vontade em falar sobre ela a plenos pulmões, no entanto existem fatores que reprimem esse ímpeto. Se formos analisar tudo o que envolve a infertilidade há um conjunto diversificado de tabus que assombram a forma como a enfrentamos. A sociedade que atua como um barómetro implacável, eleva a sensação de culpa e vergonha que nos acompanha na fase delicada dos tratamentos. Já não basta travarmos a nossa luta, acrescentamos ainda à equação "problemas" externos. Será mesmo a sociedade tão cruel ou nós é que damos demasiada importância àquilo que o outro pode achar a nosso respeito?

Do feedback que tive fiquei a perceber que deveria ter disponibilizado no blogue uma alternativa de contacto direto comigo. Como nunca desativei os comentários dos posts, pensei nestes anos todos que, no de caso de alguém querer comunicar comigo, o faria por aí. Estive hoje a ver que ferramentas o Blogger tem disponíveis e existe a possibilidade de preencher um formulário de contacto. Serei notificada no e-mail que tenho associado à conta e, a partir daí, poderei interagir com quem assim entender. Por uma questão de privacidade prefiro essa via a deixar visível um e-mail. Não significa que estou fechada a comunicações!

Tenho sentido um abraço gigantesco, contudo foi meu objetivo principal pôr a pensar. Não há regras para definir limites, dependem da vivência de cada um e de um enorme exercício de autoconhecimento.

Obrigada pelo carinho que tenho recebido ao longo destes anos. Gostava de um dia poder aqui divulgar que mais nada há a descobrir sobre medicina da reprodução e que todos os problemas têm uma solução fácil.

sábado, 13 de janeiro de 2024

44

Eis-me chegada a uma nova capicua etária. Ontem foi um dia de sorrisos, despreocupações, uma lufada de ar fresco face ao stress vivido nos anos anteriores. Como gosto de tranquilidade e simplicidade!

quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

+Fertilidade magazine - edição de janeiro de 2014

Foi hoje disponibilizada a edição da +Fertilidade magazine, desenvolvida pela Associação Portuguesa de Fertilidade, para a qual redigi um texto, no capítulo dos testemunhos. Algum tempo antes do convite para a participação na revista colaborei noutro projeto, a ser implementado por um grupo de investigadores, que conto divulgar logo que haja novos desenvolvimentos.

Fez-me bem escrever o artigo, fi-lo em muito pouco tempo. Sentir-me-ei extremamente feliz se trouxer algum conforto, a uma pessoa que seja.

sábado, 30 de dezembro de 2023

Súmula de 2023

O ano foi cansativo mas compensador. Não se desviou muito do que esperava.

Concluí a licenciatura e graças à aposta que fiz em voltar ao ensino superior, mudei de profissão. Trabalho a tempo inteiro, voltei a sentir-me útil. Só gozei verdadeiramente seis dias de férias, porque não pude requerer o estatuto de estudante-trabalhador e usei os outros seis na época de exames do segundo semestre.

Estou a ter possibilidade de me dedicar um pouco mais a mim, continuo lentamente a perder peso (até ao momento uns 14 kg desde a pior fase que registei), só o peito que cresceu ainda mais com os tratamentos é que não reduz um milímetro que seja.

Ando a tratar mais uma infeção respiratória, virou rotina anual.

O meu marido descobriu que tem mutação no Fator V de Leiden (heterozigótica), na sequência de tromboses que teve no passado e duas este ano, pouco espaçadas, após uma cirurgia às varizes que fez há um ano. O apixabano entrou permanentemente na vida dele. Por haver 50% de hipóteses de transmitir à descendência, a filhota vai fazer estudo genético. Ela tem 25 anos e é importante estar de prevenção.

A minha menina de bigodes tem 12 anos, já só tem 3 microdentes e continua a ser a reguila mais meiga e safada que tão bem me faz. Foi tosquiada pela primeira vez e o pêlo tem crescido a uma velocidade alucinante.

Sou uma felizarda por não estar angustiada como andei tanto tempo, permito-me sonhar e fazer novos planos para o futuro.

Participei em duas iniciativas relacionadas com o meu percurso na infertilidade e saúde mental, tive novo convite para ir a um programa de televisão (declinei outra vez, a minha opinião não mudou), em breve conto divulgar mais pormenores das minhas intervenções.

Desejo um excelente ano de 2024 a quem está desse lado, seja qual for a sua origem geográfica, todos são bem vindos. A paz e o sossego de espírito que almejo para mim espero que se estendam a quem anda inquieto.

segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Tempo e €€

Enquanto frequentei o serviço de PMA do HSJ este funcionava durante o período da manhã sendo que, em situações de punção e outras pontuais, a sua atividade poderia estender-se até às 14h/14h30. Foi encontrada uma forma de encurtar os cada vez mais longos tempos de espera que foram dilatando desde a pandemia. A RTP realizou uma reportagem sobre o assunto e pode ser visualizada aqui: https://www.rtp.pt/noticias/pais/hospital-sao-joao-procura-mudar-cenario-da-procriacao-medicamente-assistida_v1523520

Acredito que seja uma medida provisória até restabelecer a relativa "normalidade" pré-pandémica. Possivelmente esta alternativa é financeiramente mais económica que estabelecer protocolos com clínicas privadas para poder dar cumprimento ao que está legalmente previsto e que só acontece em Lisboa (no Hospital de Santa Maria e MAC, salvo erro). Aqui a norte sempre houve resistência e "desconhecimento" do mecanismo de encaminhamento para unidades de PMA privadas quando os tempos de espera ultrapassavam 12 meses.

Qualquer iniciativa para a redução dos tempos infinitos que só jogam contra a natureza é bem vinda.

Outra novidade está a ser preparada, relacionada com infertilidade. Logo que possa darei mais informações. Como tenho vindo a defender, tudo o que eu puder fazer para dar algum tipo de apoio, estarei presente.

quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Tempo de antena

Li algures que a Suzana Garcia foi ao programa Goucha. Dei uso à box da TV e assisti ao tempo que lhe foi dedicado. Sabia que ia identificar-me com o que ela diria sobre o seu percurso tumultuoso e não me coibi em emocionar com a sua intervenção, várias vezes. Tudo o que ela sentiu, excetuando a parte religiosa, que nada me diz, habitou no meu íntimo, anos a fio. Os receios que teve nesta gravidez bem sucedida correspondem exatamente aos que me transtornavam, até na parte relativa à preparação da chegada dos filhos. Foi uma entrevista bem conduzida, honesta.

domingo, 30 de julho de 2023

Esclarecimento de dúvidas sobre a PMA em Portugal

Algumas pessoas que me acompanharam há uns anos, "conheceram-me" através do fórum dedicado à infertilidade da página "De Mãe Para Mãe", na qual ainda intervenho de vez em quando. Não é por ter encerrado o meu capítulo que vou deixar de esclarecer dúvidas ou prestar algum tipo de apoio porque, infelizmente, não param de surgir pessoas que estão a passar pelas mesmas angústias que outrora tive e procuram algum amparo.

Há bastante curiosidade sobre números relacionados com a PMA em Portugal e taxas de sucesso e, a meu ver, a fonte que mais informação nos dá é a Comissão Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA). Na sua página podem ser consultados relatórios, a legislação, atas e é nos relatórios anuais de atividade de PMA que se encontram especificados, para diferentes situações, os tais números tantas vezes solicitados.

O HSJ é o único centro de PMA público, a nível nacional, que realiza PGT-A. Quando a equipa médica me propôs a realização dessa técnica, em 2019, disseram-me que seríamos dos primeiros casais a efetuá-lo. Por curiosidade, hoje li o relatório da atividade de 2019 e percebi que, na realidade, fomos o primeiro casal e o único naquele ano, que efetuou biópsia aos embriões para rastreio de aneuploidias, no SNS. Ao consultar há uns anos as atas mensais das reuniões da CNPMA, consegui também identificar em que altura foi dada autorização para que eu pudesse submeter-me à técnica. Claro que o meu nome não foi referido em nenhum desses documentos, mas pela cronologia, histórico e idade, foi fácil para mim identificar-me nos casos mencionados.

A página da CNPMA é de fácil consulta. O endereço é https://www.cnpma.org.pt/ Acho que vale a pena visitá-la, fi-lo ao longo dos anos, porque às vezes há legislação que muda e não é divulgada nos meios de comunicação social. Esmiuçar o site não é, de todo, tempo perdido.

domingo, 23 de julho de 2023

É oficial, licenciatura concluída 🎉

Hoje é o primeiro dia do resto da minha vida 😃

Ainda não caí em mim que já vou ter tempo livre, serões descansada, sono tranquilo e ócio! O dia a dia improvisado vai terminar, vou estar disponível para mim e para os meus, os tempos que ainda pareciam de confinamento chegaram ao fim. Foram três anos exaustivos, mas tinha mesmo de enveredar por algo assim para que a transição da desilusão dos 8 anos e 8 meses para o que aí vem, me traga ânimo. Digamos que foi o tipo de luto que decidi realizar. Estou feliz, embora ainda não tenha despertado bem para a nova realidade, porque penso sempre que não tenho direito a dias melhores.

Há uma viagem na calha, daqui a uns meses, vamos ver se se concretiza.

Notei, nestes anos, um pouco do efeito do tempo no meu envelhecimento. Há que libertar do que já não importa, valorizar as pequeninas coisas e descobrir outras que nos provoquem rugas de felicidade.

quinta-feira, 20 de julho de 2023

A 9,5 valores de uma meta

Estou a poucos dias de saber se a primeira etapa do meu plano de renascimento está realmente concluída ou não.
A gestão da vida pessoal com o meu objetivo de fazer a licenciatura nos três anos foi, sem dúvida, a parte mais difícil. A forma como perspetivava que iria decorrer todo o processo não correspondeu, em nada, à realidade. Foi extenuante, não considero que tenha sido mais complexo do ponto de vista do conteúdo, relativamente à primeira licenciatura, mas estou cansada, muito cansada.

Como já tinha referido anteriormente, a empresa onde estagiei manifestou interesse em que trabalhasse lá e, no último dia de estágio, foi oficializada a contratação. Esse aspeto foi mais rápido e fácil do pensava. Preocupava-me que a idade pudesse vir a constituir um entrave e a nulidade que a minha experiência profissional representa para as empresas que atuam na área em que estou a concluir a minha formação.

Chegou a hora de voltar a viver, depois de um interregno de sensivelmente uma década, em que somente existi.

Não há ressentimentos para trás, estou muito bem com a decisão tomada de parar de tentar ter filhos e só quero ter plena saúde para poder usufruir do que a vida ainda pode proporcionar.


Para quem aqui veio parar, que se está a degladiar com uma dificuldade em engravidar e, eventualmente, vai recorrer ou já realizou tratamentos de PMA, tenho algo a dizer. Eu conheço demasiado bem todas as frustrações pelas quais estão a passar. Uma das grandes fontes de dor provinha daquelas frases motivacionais aparentemente inofensivas de que não devia desistir ou que não se desiste de um filho. Como o meu caso se estava a tornar infindável, entrei num abismo em que deixei de me reconhecer. Ao tomar consciência daquilo em que me transformei, percebi que deveria ponderar até que ponto estaria disposta a continuar a sacrificar-me por um desejo que não se estava a concretizar. A ideia de desistência foi ganhando terreno à medida que os fracassos se sucediam. Percebi que não podia desistir de mim, pois era o que, gradativamente, estava a acontecer. Pode dar urticária ou taquicardia a algumas pessoas, este tipo de atitude mas, sinceramente, estou-me nas tintas, porque foi uma decisão que tomei para a MINHA vida. Não podemos cair no erro de atribuir a única fonte de felicidade a um filho e achar que mais nada nos fará felizes. Porque não desistir? Antes de "incentivarem" alguém a não desistir, pensem no efeito nefasto que esta aparente motivação pode trazer. Sei que, na maior parte das vezes, não há intencionalidade, é uma forma de tentar animar mas, para pode ter um efeito muito mais negativo do que se possa pensar.

sábado, 25 de março de 2023

O sol começa a brilhar

Ainda estou a processar esta última semana e meia. Iniciei o estágio no dia 22 de fevereiro e a 14 de março fui convidada a trabalhar na empresa, já a partir de abril. Uma das colaboradoras vai ficar até ao final do próximo mês, estiveram a avaliar-me naqueles poucos dias em que estive a apoiar as várias áreas do departamento onde me encontro e viram que tinha perfil para lá trabalhar. Encontro-me em formação com ela, a partir de terça-feira começo a entrar no mesmo turno. O que estava inicialmente delineado seria desenvolver o tema do meu relatório de estágio noutro departamento, a partir de 16 de março. Devido a esta situação, que ainda não está formalizada, gerou-se então mudança de planos quanto ao tema a trabalhar, mas a empresa já entrou em contacto com a instituição onde estou a estudar, informando-os do assunto. Quando fui à entrevista durante a fase de seleção de potenciais empresas do meu interesse, percebi que lá haveria uma forte possibilidade de conseguir trabalho após a conclusão do curso, ao contrário de outros locais.

Quis muito ter alguma tranquilidade, pois vivi anos conturbados. Com o aproximar do fim do curso preocupava-me como iria correr a procura de trabalho devido à idade, ao background profissional que poderia ser irrelevante para as empresas que, aliado à idade, levaria a afastar uma eventual contratação. Pensei seriamente, vezes sem conta, se seria uma boa aposta formar-me novamente. Não queria passar por outro fiasco. Felizmente, posso acreditar que consegui atravessar essa montanha. Independentemente disso, a minha principal meta é ter o certificado na mão, ainda que a conclusão da licenciatura esteja envolta de uma responsabilidade acrescida.

Não só eu fiquei mais tranquila, como a minha mãe. Acho que ela finalmente percebeu que este novo caminho que comecei a trilhar em 2020 me vai trazer mais estabilidade do que se continuasse a insistir em manter-me na minha área de formação inicial, que era o que ela queria. O amor à profissão, por si só, não coloca comida na mesa, não paga as contas. A situação piorou quando passei a trabalhar a tempo parcial, por valores hora baixos, para poder ter as manhãs disponíveis sempre que precisasse de ir ao hospital. E foram mais de cem manhãs, em cinco anos...

Aparentemente, desta vez, é um esforço que está a ser compensado e espero que a médio/longo prazo continue a trazer frutos.

É um alívio, precisava mesmo disto!

domingo, 12 de março de 2023

Reta final

Aquele que pretendo que seja o último semestre, o da conclusão do primeiro plano de reestruturação pós-infertilidade, iniciou no mês passado. Comecei o estágio curricular num laboratório a 20 km de casa e está a ser uma lufada de ar fresco sentir-me útil, ainda que como rookie. Para a instituição seria pouco emocionante e leve ter apenas o estágio. Para apimentar mais a reta final e não ficarmos mal habituados depois da sobrecarga que foi todo o curso, além dos 4 dias completos de estágio, há mais um com aulas laboratoriais das 8h10 às 18h, com 1h10 de almoço e 10 minutos de intervalo, às 10h. Além disso, às terças e quintas-feiras saio do estágio na esperança de não ficar retida na VCI para ir às aulas das 18h10 às 22h30, com pausa de 40 minutos para jantar, às 20h. Acrescem os variados relatórios, um projeto, quase tudo para ser entregue e apresentado num intervalo de poucos dias. A saga finaliza com a entrega do relatório final do estágio, exames e a prova final do estágio, algures durante a época de exames.

Nos fins de semana tenho os meus momentos Master Chef para a preparação das marmitas dos dias vindouros. Preciso de 7 em cada semana, pois quando tenho aulas pós-laborais necessito de trazer comigo almoço e jantar. Como há noites em que a competição por microondas pode ser feroz na instituição, opto por preparar para esses jantares pratos que podem ser consumidos frios. Uma vez que há frigorífico na empresa onde estou a estagiar, posso conservar os alimentos no frio durante o dia.

Faltam 19 semanas para, espero eu, respirar de alívio e começar a aproveitar um pouco melhor o tempo em que cá ando, com um trabalho digno. De acordo com a informação do portal da Segurança Social Direta, daqui a 24 anos e 4 meses reunirei condições para começar a usufruir da pensão de velhice, sem penalizações. Ainda tenho de ser produtiva durante um bom tempo.

Luta atrás de luta, está a chegar a hora de deixar de me sentir um parasita.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

20 anos de ausência

Faz hoje 20 anos, era um domingo ensolarado e, dentro do quarto, na casa que lutou para construir, o meu pai começou a agoniar. Os rins estavam a entrar em falência. Às 17h20 deu-se a libertação. Não vou entrar em mais detalhes...

Revivo quase diariamente as horas desse maldito domingo e, apesar da dor gigante de ter assistido a tudo, se há algo de bom que se possa retirar da experiência, é que ele não esteve sozinho. Nós, por outro lado, pudemos acompanhá-lo na profunda dor que ele sentia, porque além da componente física, excruciante, não partiu em paz. Estava frustrado, pois achava que não tinha cumprido tudo o que faltava para nos libertar de preocupações.

Foi a verdadeira confrontação com a finitude, um momento em que emergiram um nojo e ódio profundos pela vida e a perceção de que somos criaturas insignificantes perante a física, a química, a biologia. Antes desse acontecimento não vivia num mundo de purpurinas. A dor do silêncio transformou-me. Preparou-me para novos silêncios que se seguiram.

Não se supera.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

A ternura dos "entas"

Ontem completei mais uma translação ao Sol. A entrada nos "entas", iniciada em 2020, já está bem consolidada. Fui aprendendo com a vida a relativizar mais os acontecimentos, deixei de dar importância a pormenores que consumiam a minha beleza, a paciência para picuinhices reduziu drasticamente. Tenho esperança que ainda vou fazer umas coisas interessantes e sentir entusiasmo com novas descobertas.

Nos olhos começaram finalmente a aparecer algumas rugas acentuadas pelo sorriso, as madeixas brancas no cabelo vão multiplicando serenamente. As mazelas físicas mal resolvidas que foram surgindo ao longo dos anos dão por vezes sinais de vida, os problemas respiratórios diagnosticados logo na primeira consulta que tive, logo que nasci, vão voltando a acentuar-se, após um adormecimento aparente.

Quando era novinha, adorava ver e rever os álbuns fotográficos da família. Tenho algumas memórias registadas em suporte físico, maioritariamente tiradas quando vivia em França, onde revelar fotografias era mais acessível que em Portugal. Desde que me mudei para cá e até por volta dos 26 anos, parece que não existi. Da minha adolescência tenho umas apenas umas três fotografias tipo passe, por causa do cartão de estudante, dos tempos de universidade não tenho praticamente nada. Só quando comprei uma máquina fotográfica digital, penso que com 26 anos, é que voltei a ter registos. Apesar dos milhares de memórias estarem gravados em diversos suportes digitais, poucos são os que tomaram a forma de papel fotográfico. A diversidade e qualidade de imagem é imensa, comparativamente com os recursos limitados de que dispunha dantes, mas perdeu-se a magia da abertura de um álbum fotográfico, daquele barulho característico a virar cada página, do cuidado ao manipular as fotografias para não se estragarem. Fez ontem 43 anos que nasceu, algures em terras gaulesas, uma miúda com um ar assustador, toda arranhada na face, porque as suas mãozinhas não faziam outra coisa que não fosse desfazer a cara. Tenho uma cicatriz que se destaca na bochecha direita, feita por moi-même, no alto dos meus dois dias de idade. Durante muitos anos também se viam as que fiz no nariz, nesse mesmo dia, mas essas suavizaram depois dos 30 anos. Ainda atualmente, há alturas em que me apetece arrancar partes da cara, quando as alergias estão em alta. Há que manter a coerência!

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

7 anos de casinha virtual

Criei esta casa virtual dois meses depois de me ter mudado para o lar que comprei. À semelhança do meu cantinho, localizado num sítio que adoro, e onde me sinto bem, também aqui o espaço é aconchegante. A minha casa física, tal como o blogue, anda a precisar de algumas melhorias, mas esse boost está dependente do papel pelo qual estou a lutar com afinco, que me permitirá encontrar a dignidade laboral que ficou perdida no passado. Quero sentir-me novamente autossuficiente, desespero por rotina (que achava aborrecida quando era mais jovem), necessito de tomar rédeas à vida e usufruí-la. Suprir o essencial, qual tamagoshi, tem sido o mote que me tem guiado desde... já nem me lembro.

Não ambiciono megalomanias, nem acho que tenha perfil para isso. Sou básica, na realidade. Há duas coisas que gostaria de concretizar, desde muito novinha e apesar de estar a um passo dos 43 anos, sinto que teria capacidade de realizar. Uma é aprender a tocar piano e outra é ser fluente em mais uma língua. Os meus pais não tinham possibilidade de suportar esse tipo de atividades. O meu percurso profissional, por outro lado, passou por uns dois ou três altos que eu sabia serem perenes, então aproveitei para criar uma almofada para os muitos baixos que surgiram. Priorizei o essencial. Tive entretanto perto de uma década de incerteza quando me entranhei na infertilidade, deixei de existir e mergulhei no improviso.

Ontem fiz uma visita, através do Google Maps, à pequena vila a 77 km a norte de Paris, onde vivi até aos 8 anos. Ainda sei os trajetos que fazia para ir para o Jardim de Infância e as escolas que frequentei, às padarias onde ia com o meu pai ou com a minha mãe, ao jardim público, à piscina municipal que me deixou com fobia durante mais de 20 anos, ao hipermercado... Lembro-me da neve chegar pelos joelhos e mesmo assim íamos para a escola, com calçado adequado para o efeito. A torre onde habitava, que era recente e imponente, apesar de pertencer a projetos de custo acessível, está atualmente desoladora. Há anos que se prevê a sua demolição. Gostava de lá voltar, há um aeroporto próximo, mas acho que iria ficar abatida. É mais uma das coisas que está latente, embora tenha esperança de que vou cumprir.

Quero fazer voluntariado numa associação de apoio a animais de uma forma regular. Quero voltar a fazer exercício na água. Na temporada de 2019/2020 frequentei aulas de hidroginástica e hidrobike até ao lockdown. Tinha estado alguns anos sem fazer atividade física na água, sabia que dali a pouco tempo ia finalizar os tratamentos e no final da primeira aula, na parte do relaxamento, a professora pôs a tocar a música Everglow dos Coldplay. Enquanto fazia os alongamentos as lágrimas começaram a correr pela minha cara. Tinha uma necessidade extrema de libertação e só me apercebi nesse momento.

Desta vez o post é sobre fazer o que ainda não foi feito. A fobia que adquiri na "natação", ainda em França, porque naquela altura não conseguia sequer flutuar, dissipou já eu tinha perto de 30 anos. Aprendi a nadar, era algo que sempre quis conseguir executar e transmite-me uma paz inigualável. Voltei para o ensino superior e estou prestes a finalizar outra licenciatura. Aliás, não fecho portas a voos de outro grau. Tentei ser mãe com diferentes fórmulas que não tiveram magia nenhuma, mas apesar da dificuldade que sabia que iria ter, não baixei de imediato os braços. Adotei a minha menina de bigodes que me trouxe uma alegria tremenda. Certamente existirão mais algumas coisas, ainda que de pequena dimensão, que procurei não deixar morrer.

O desafio que coloco é dar outra profundidade às resoluções de Ano Novo. Aí desse lado, há alguma coisa, bem longínqua no tempo, que ficou aparentemente esquecida mas que tem potencial para tomar a luz do dia?

Um bom ano de 2023, sem procrastinação!

sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Ho! Ho! Ho!

Nada de muito relevante tem acontecido por cá. Continuo na ânsia de terminar o curso, posso dizer que já estou em contagem decrescente. No final de fevereiro começo o estágio curricular, ando na fase de candidaturas a empresas. Simultaneamente com o estágio teremos também 4 unidades curriculares. Um dia da semana será integralmente passado na instituição de ensino superior para prática laboratorial e em outros dois dias, após o estágio, haverá aulas pós-laborais.

Sobre aquele episódio estranho que relatei em post anterior, a hemorragia de privação surgiu no ciclo seguinte, a tempo e horas. No mês após a regularização libertei os coágulos que se tinham acumulado e, desde então, não houve mais nenhuma anomalia.

Daqueles dois amiguinhos claviculares, cá continuam sobre o osso. Já fiz duas ecografias, estão pequenos, não constituem perigo e são o meu recuerdo das vacinas para a COVID-19. Reportei a situação na página do Infarmed no início do ano e alguns meses depois fui contactada por via telefónica para dar mais detalhes sobre a cronologia e o encaminhamento dado. Regra geral não me incomodam exceto em alguns momentos, durante a condução, porque o cinto de segurança toca exatamente na zona onde eles habitam. Levei também como bónus da vacina um gânglio intramamário para fazer companhia ao que está na outra mama.

A minha miúda de bigodes fez 11 anos, está quase desprovida de dentição e continua a surpreender-me com as aprendizagens que faz. Não tem olhos (nasceu sem eles) e está a 3 ou 4 dentes de ficar só com as gengivas. Vão faltando cada vez mais peças, mas está quase como nova 😀 Não deixa de ser a ternurenta rufia que me faz admirar cada bigode que lhe cai, cada mio que dá enquanto sonha, cada ronco que faz ao ressonar como gente grande que é, cada espirro convincente que se ouve em toda a casa, cada pêlo espalhado em todo o lado, cada abraço que me exige, cada esfoliação facial que me faz, cada massagem vigorosa que executa, cada espera numa esquina para me desafiar, cada chantagem em que se tornou mais refinada, cada momento em que mostra que entende tudo o que lhe digo.

Depois de dois anos com um Natal a meio gás, vai voltar a reunião de famílias em minha casa. É o vigésimo que vou passar sem o meu pai. Questiono-me muitas vezes como seria se ele estivesse vivo.

Estou numa paz relativa, porque o queria mesmo era já estar com o curso concluído para viver novas aventuras. Não faço pedidos ao Pai Natal e as 12 passas que ingiro na passagem de ano vão vazias de desejos, porque as coisas não caem do céu.

Desejo muita saúde a quem está desse lado, mil e um motivos para sorrir e que não perca a capacidade de sonhar.

Bom Natal!