quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Pseudoatualização

O mote é aguardar. O telefonema que atendi há uns tempos em que iria receber instruções para a preparação da FIV deixou-me a duvidar de uma parte do que foi dito. Segundo a enfermeira, a Drª L. disse para aguardar uma carta com a marcação de uma consulta relacionada com anatomia patológica e aí contactar a Medicina da Reprodução. A questão é que nunca ouvi falar de consultas desse tipo. Na sexta-feira passada liguei para o piso 3 (tinham passado 5 semanas desde a aspiração) e relatei o teor do recado que me transmitiram à técnica administrativa. Ela disse logo "Que disparate! Não há consulta nenhuma, nem enviam nada para casa. Vou pedir à Drª L. para verificar se o relatório já está na base de dados e ainda esta manhã digo-lhe alguma coisa". De todas as pessoas que trabalham naquele piso, se tivesse de erguer uma estátua a alguém, a primeira pessoa seria a querida S. que tão maravilhosamente acolhe os casais. Falar com ela é como receber um gigante abraço. Representa com todas as letras a palavra humanização, no setor da saúde. Tem uma paciência desmedida, um sentido prático verdadeiramente eficiente e uma empatia misturada com aquele calor humano que tantas vezes precisamos quando estamos naquele espaço. É muito mais que uma executora de funções na área administrativa, é A NOSSA S...aninha!

Umas horas depois dessa chamada, recebi o feedback prometido. Há atrasos no envio de resultados, um pouco por influência do Natal. Iria demorar ainda umas duas semanas a estar disponível. Ficou no meu processo a indicação de, no dia 9 de fevereiro, verificar no computador se o relatório da análise citogenética se encontra disponível, para dar seguimento à nossa faina.

É caricato ser dia 9 de fevereiro. Vai fazer dois anos nessa data que a minha avó faleceu. No dia seguinte, umas horas antes do funeral, tive a primeira consulta que deu início à FIV 1 e à noite comecei a administração dos injetáveis.

Em 2015, as tentativas de IIU coincidiram com a altura em que fraturei uma mão, comprei casa e fizemos obras; a FIV iniciou na altura da morte da minha avó; perdi o primeiro filho no dia da morte do pai do meu melhor amigo; realizei uma ecografia que antecedeu uma TEC no meu aniversário do ano passado; perdi o segundo filho no dia seguinte ao aniversário do meu marido; casei na véspera de uma TEC que até era para ser no dia do enlace; fiz uma aspiração uns dias antes do Natal. A infertilidade tem estado presente em todas as frentes.

Há duas noites tive outro sonho relacionado com filhos. Como é habitual, a história era estranha. Eu tinha uma filha bebé, com uns meses suficientes para que ela reconhecesse as pessoas. Curiosamente eu não a conhecia porque, por algum motivo que não sei qual, fui obrigada a estar afastada dela durante esse tempo em que foi crescendo. A minha mãe é que estava responsável por ela (não cheguei a saber o nome da minha menina), assim como umas senhoras que nunca tinha visto na minha vida, numa casa que também me era totalmente incógnita. Quando a vi pela primeira vez estava com medo da sua reação. Disseram-me que a sua fralda estava suja e que podia aproveitar para estabelecer uma conexão com a minha cria. Esteve serena e risonha enquanto eu tentava perceber como trocar-lhe a fralda. Eu não tinha a certeza se estava a proceder corretamente do ponto de vista técnico, mas tranquilizaram-me dizendo que fiz tudo bem. Quando ficou pronta peguei nela e abracei-a com algum receio. Rapidamente senti que ela se colou a mim com toda a força, não me queria largar. Via-se nos olhos dela uma felicidade imensa por estar agarrada a mim. Fui invadida por uma sensação de alívio e esperança de que a partir dali eu poderia ser a sua mãe.
Acordei do sonho, lembrei-me que daqui a uns tempos volto às idas ao hospital dia sim, dia não, rumo ao desconhecido.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

38

Olá, 38! Chegaste aqui para os meus lados com um sabor agridoce. Há 38 anos, fora de Portugal, um casal celebrou a chegada de novo rebento. Não foi um rapaz, para tristeza inicial do pai, foi outra menina. Essa mesma que agora está a escrever isto, teve alguns sonhos ao longo da vida. Uns mais realistas que outros, para ser sincera. A forma como cresceu e o rumo que está a tomar não correspondem a nada do que alguma vez imaginara. Não quer dizer que está desapontada, até agradece que haja imprevisibilidade, embora algumas coisas podiam nunca ter acontecido, como em qualquer outra vida. O sonho máximo não se concretizou e pairam no ar sérias dúvidas de que um dia venha a ser realidade.

Hoje aumenta mais uma unidade do ponto de vista etário. A ver pelo andar da carruagem nos meus 38 anos continuaremos a ter a casa com o mesmo número de moradores. Ao menos que tenhamos saúde e momentos felizes.

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Carta aberta à Well's

Dirigida à equipa criativa e a quem deu luz verde à atual campanha da Well’s,

Caríssimos,

Sou um mero ser humano que podia ter sido mãe em junho de 2017, sê-lo mais brevemente em fevereiro de 2018 e até mesmo em julho, também deste ano. Infelizmente não acontecerá... Por tentar acreditar há mais de seis anos no slogan “Um Futuro sem bebés, não tem futuro” tenho canalizado a minha vida numa luta inglória que me levou os filhos que nunca irão conhecer qualquer produto da Well’s, nem sequer os seus pais que tanto os desejavam. Encontro-me numa fase em que me resta somente mais uma hipótese de poder dar sentido à máxima que aparece estampada em diversos meios de comunicação social.

Se para muitos a vossa campanha é um gesto de celebração da família; a oportunidade de ter uns produtos de forma graciosa com/sem intenção de adquiri-los posteriormente; algo totalmente indiferente; uma falta de consideração pelas famílias que tiveram os seus rebentos em anos transatos, como já tive oportunidade de ler; para mim e muitos mais é algo absolutamente profundo.

Enquadro-me nos 20% de candidatas a mamãs que passou por uma perda gestacional até às 20 semanas e até vou mais longe. Estou dentro do intervalo de 1 a 5% de mulheres que abortou (sem vontade própria) três ou mais vezes. Tenho sofrido os chamados abortos recorrentes, sendo o último bem recente. Muitas famílias passaram por perdas ainda mais tardias. Todos os que vivemos a dor de perder filhos ou nunca ter conseguido sequer engravidar, temos uma ferida bem aberta que não vai cicatrizar e a vossa campanha está a causar-lhe uma infeção. Muitos de nós que não conseguimos colocar no mundo futuros criativos na área de marketing ou outro tipo de profissionais, estamos com a vossa frase atravessada na garganta.

Se, por um lado, ansiamos ter um futuro com bebés, por outro temos de saber construir outro tipo de futuro se a vida nos bloquear a porta da parentalidade, porque ele existe. É claro que do ponto de vista demográfico são necessários bebés para garantir a sobrevivência de uma espécie. Todos temos noção que a muito longo prazo a humanidade vai manter a preferência de perpetuar a continuidade da sua reprodução. O slogan que usam coloca aqueles que não podem/não querem ter filhos num nível trófico irrelevante, como que na categoria dos inúteis da sociedade. Tomem pois consciência que uma parte dos beneficiários do conjunto de produtos que estão a oferecer será negligenciada e maltratada pelas suas famílias e terão um não-futuro.

Vi numa publicação na página do Facebook Baby Well’s uma resposta da qual saliento esta parte “…Todavia pela relevância deste tema, considerámos importante estar ao lado das famílias e celebrar os nascimentos.” Traduzo isto como “Todavia, tocando no coração das pessoas com a oferta dos produtos, poderemos aumentar consideravelmente a sua comercialização.” É disto que se trata, falar para as massas que, por enquanto, continua a ser aquela que é bem sucedida do ponto de vista reprodutivo.

Uma vez que valorizam tanto estudos de mercado e estatísticas, espreitem os dados atuais relacionados com a (in)fertilidade. Antevejo, daqui a uns tempos, a inclusão de tratamentos de fertilidade com desconto em cartão Continente nas Clínicas Dr. Well’s.

E os outros? Aqueles que não vão celebrar nascimentos, não são famílias? Obrigada por lembrarem que não representam nada (os que não podem/não querem ter filhos) embora lamentem que há “… mulheres que, por questões de saúde, não possam ser mães.”

Este desabafo não é para manifestar revolta por não ter direito a receber produtos, façam-lhes o que bem entenderem. Estou apenas a refletir sobre a forma infeliz como decidiram promover a iniciativa.

Desejo que a vida não vos pregue partidas de mau gosto.

Cumprimentos,

Da bloqueadora de futuro

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Quando o telefone toca

Recebi a chamada que aguardava da enfermeira para fazer o ponto da situação, perguntar se aceitava fazer nova FIV e tomar conhecimento das orientações para o início da sua preparação. Quis saber se já tinha menstruado, então tratei de relembrar que só com medicação isso acontece. Contei que tinha abortado e feito uma aspiração no dia 21 de dezembro, da qual aguardo o resultado da análise citogenética. Pediu que esperasse nova chamada, porque iria falar com a médica para ver o que deveria ser feito. Passados alguns minutos recebi nova chamada. Como o aborto foi recente, no sentido de dar tempo ao corpo para recuperar, a FIV já não será no próximo mês. Além do mais como ainda não sabemos o conteúdo do relatório da análise do material recolhido na aspiração não se poderá avançar para novo tratamento. Deverei aguardar pela carta com a marcação de consulta de anatomia patológica. Nessa altura entrarei em contacto com a Medicina de Reprodução para vermos como se vai proceder. Não sei se o tempo de espera dessas consultas é demorado pese embora não esteja com uma pressa desmedida para voltar a fazer uma estimulação, possivelmente hiperestimular e aguardar mais uns meses por uma TEC. Não é que a idade esteja a meu favor, pois na próxima semana faço 38 anos, sabe-se lá como anda a qualidade dos ovócitos. A última vez que forcei os ovários a trabalharem foi há dois anos e deu no que deu: uma quantidade astronómica de folículos na corrida, 25 puncionados e 12 embriões aparentemente bons, no entanto continuo de mãos a abanar.

Tenho de pensar que esta é a última oportunidade que me é concedida e agarrar-me a isso para manter viva a esperança de que poderá estar aí a solução para o knock out à infertilidade. Tenho consciência que poderei passar por situações ainda mais complicadas do que aquelas que ocorreram até ao momento, com perdas ainda mais penosas, um desgaste maior deste organismo bípede que executa o que outros lhe ordenam e um coração cada vez mais enfraquecido e frio pela dor acumulada.

Não considero que tenha já um calhau no peito, é nesse sentimento que me agarro para envergar a esperança última que vai concluir a minha luta. Os próximos posts serão os derradeiros episódios que dedicarei à enorme batalha que tenho vindo a travar. Ando a pensar no destino que poderei dar ao blogue se o meu ninho ficar definitivamente vazio. Não queria que ele perecesse como a minha guerra, gostava que apesar de não mostrar o sucesso pessoal transmitisse uma mensagem de esperança para o número cada vez maior de casais que se debate com esta epidemia de frustração. Sou apenas uma molécula neste oceano de relatos pessoais em que tropeçamos na blogosfera. Contudo é graças a estas pequenas gotas que vamos juntando peças e descodificando o que nos vai acontecendo, pois a informação dada por quem nos dá ordens para executar é, na maioria das vezes, telegráfica ou até inexistente. Podemos antecipar cenários como forma de atenuar a dor - embora ela exista sempre por muito que pensamos estar preparados - conhecer o nosso corpo um pouco melhor, partilhar sentimentos, dúvidas e essencialmente ajudar, confortar. Reina o silêncio em torno da infertilidade. Mesmo que se tente sensibilizar mais a sociedade para esta doença como aconteceu no início desta semana num programa da TVI, fica tanto por dizer por limitações de tempo no ar ou espaço editorial que parece que isto não é nada de especial e se resolve sempre. É neste âmbito que os blogues, por exemplo, se podem destacar de diversos meios de comunicação social, por possibilitarem uma escrita livre, sem limite de carateres, em que se pode partilhar detalhadamente que mundo é este da infertilidade.

Como estamos em 2018 não queria concluir este post sem desejar o melhor para quem me lê e para quem está, como eu, a tentar dar o golpe de misericórdia à maldita.