quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Carta aberta à Well's

Dirigida à equipa criativa e a quem deu luz verde à atual campanha da Well’s,

Caríssimos,

Sou um mero ser humano que podia ter sido mãe em junho de 2017, sê-lo mais brevemente em fevereiro de 2018 e até mesmo em julho, também deste ano. Infelizmente não acontecerá... Por tentar acreditar há mais de seis anos no slogan “Um Futuro sem bebés, não tem futuro” tenho canalizado a minha vida numa luta inglória que me levou os filhos que nunca irão conhecer qualquer produto da Well’s, nem sequer os seus pais que tanto os desejavam. Encontro-me numa fase em que me resta somente mais uma hipótese de poder dar sentido à máxima que aparece estampada em diversos meios de comunicação social.

Se para muitos a vossa campanha é um gesto de celebração da família; a oportunidade de ter uns produtos de forma graciosa com/sem intenção de adquiri-los posteriormente; algo totalmente indiferente; uma falta de consideração pelas famílias que tiveram os seus rebentos em anos transatos, como já tive oportunidade de ler; para mim e muitos mais é algo absolutamente profundo.

Enquadro-me nos 20% de candidatas a mamãs que passou por uma perda gestacional até às 20 semanas e até vou mais longe. Estou dentro do intervalo de 1 a 5% de mulheres que abortou (sem vontade própria) três ou mais vezes. Tenho sofrido os chamados abortos recorrentes, sendo o último bem recente. Muitas famílias passaram por perdas ainda mais tardias. Todos os que vivemos a dor de perder filhos ou nunca ter conseguido sequer engravidar, temos uma ferida bem aberta que não vai cicatrizar e a vossa campanha está a causar-lhe uma infeção. Muitos de nós que não conseguimos colocar no mundo futuros criativos na área de marketing ou outro tipo de profissionais, estamos com a vossa frase atravessada na garganta.

Se, por um lado, ansiamos ter um futuro com bebés, por outro temos de saber construir outro tipo de futuro se a vida nos bloquear a porta da parentalidade, porque ele existe. É claro que do ponto de vista demográfico são necessários bebés para garantir a sobrevivência de uma espécie. Todos temos noção que a muito longo prazo a humanidade vai manter a preferência de perpetuar a continuidade da sua reprodução. O slogan que usam coloca aqueles que não podem/não querem ter filhos num nível trófico irrelevante, como que na categoria dos inúteis da sociedade. Tomem pois consciência que uma parte dos beneficiários do conjunto de produtos que estão a oferecer será negligenciada e maltratada pelas suas famílias e terão um não-futuro.

Vi numa publicação na página do Facebook Baby Well’s uma resposta da qual saliento esta parte “…Todavia pela relevância deste tema, considerámos importante estar ao lado das famílias e celebrar os nascimentos.” Traduzo isto como “Todavia, tocando no coração das pessoas com a oferta dos produtos, poderemos aumentar consideravelmente a sua comercialização.” É disto que se trata, falar para as massas que, por enquanto, continua a ser aquela que é bem sucedida do ponto de vista reprodutivo.

Uma vez que valorizam tanto estudos de mercado e estatísticas, espreitem os dados atuais relacionados com a (in)fertilidade. Antevejo, daqui a uns tempos, a inclusão de tratamentos de fertilidade com desconto em cartão Continente nas Clínicas Dr. Well’s.

E os outros? Aqueles que não vão celebrar nascimentos, não são famílias? Obrigada por lembrarem que não representam nada (os que não podem/não querem ter filhos) embora lamentem que há “… mulheres que, por questões de saúde, não possam ser mães.”

Este desabafo não é para manifestar revolta por não ter direito a receber produtos, façam-lhes o que bem entenderem. Estou apenas a refletir sobre a forma infeliz como decidiram promover a iniciativa.

Desejo que a vida não vos pregue partidas de mau gosto.

Cumprimentos,

Da bloqueadora de futuro

10 comentários:

  1. Clap clap clap! Para onde envio mail?

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    1. No cantinho superior esquerdo da página https://futuro.wells.pt tem o endereço ;)

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  2. Não diria melhor querida PL :-)

    Beijinho grande

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  3. Um slogan muitoooo infeliz mesmo, já perdi a conta às vezes a que a minha mulher (que não pode ter filhos) já chorou de ver essa "publicidade"!

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    1. O mais importante é que ela se sinta apoiada e que compreendam a sua mágoa.
      Fiz a minha parte ao alertar a dita empresa para a forma como optaram por promover a iniciativa. Da parte deles não obtive resposta, mas não fiquei surpreendida.

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  4. E as vezes que eu já chorei a vê-la também...

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    1. O melhor é pensar que o intuito é meramente comercial.

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