terça-feira, 22 de setembro de 2020

Alergias, pain in the ass...

Falar de mim e de alergias é indissociável. Somos unha e cutícula desde o terramoto de 1755. Os problemas respiratórios começaram também por aí, ou seja, mal vim ao mundo. A minha mãe dizia que na primeira consulta que tive depois de nascer, o médico percebeu após a auscultação que ia ter dificuldades respiratórias ao longo da vida.

A asma não me proporcionou uma infância digna de memória. Naquela altura o inverno era sinónimo de problemas, noites mal dormidas por causa das crises, serões a jogar às damas com o meu pai para me acalmar e distrair daquele sufoco permanente. As alergias propriamente ditas manifestavam-se de forma mais branda do que veio a verificar-se mais tarde. Durante muito tempo foi a asma que me tirou qualidade de vida. Sempre que realizava o teste Prick, diziam-me que a reação cutânea aos alergénios não era suficientemente forte ao ponto de necessitar fazer imunização com vacina.

E assim fui vivendo, com primaveras chatas (detesto primavera), pingo no nariz, espirros incessantes, por vezes febre, asma que ia e vinha, um coro de mil e um gatos a miarem dentro de mim entoando a casa, noite dentro, enquanto a família tentava dormir com todo aquele ruído, o ar abatido e preocupado dos meus pais por me verem em sofrimento, as consultas infrutíferas, os litros e litros de xaropes ruins e inúteis, as bombinhas de sabor inconfundível, centenas de comprimidos também inúteis e por fim a resignação porque, mais cedo ou mais tarde, o clima iria ser mais favorável para mim. Veio a adolescência, o episódio do corte de relva que relatei no início do blogue, que desencadeou uma mudança na minha vida e aos 18 anos a ida para a universidade, a 400 km de casa.

Nos primeiros anos longe de casa, as primaveras não foram muito diferentes daquilo a que estava habituada. A partir do 3.° ano as coisas mudaram para muito pior. Ficaram tão más que qualquer movimento que realizasse implicava logo de seguida largos minutos de adaptação por parte do meu corpo, que se traduziam numa sessão de espirros infindável, acompanhada de um dilúvio nasal. Nunca saía de casa com menos de 4 pacotes de lenços de papel que esgotava num ápice. Imaginem estar num anfiteatro com 3 ou 4 cursos a assistir a uma aula, enquanto uma máquina de espirrar não parava de incomodar. Era eu, fartinha de mim, com vontade de cavar um buraquinho de vergonha e meter-me lá. Quando o corpo achava que estava devidamente ambientado ao espaço, instalava-se algum sossego. Terminava a aula, tinha de me levantar para sair e começava tudo outra vez. Mesmo que numa sala tivesse de mudar de uma cadeira para outra ao lado, voltava a adaptação ao espaço com espirros infinitos e o nariz a escorrer sem parar. Em casa usava caixas de Kleenex que rapidamente terminavam. A pele das narinas ficava inflamada por tanta fricção, as conjuntivites deixavam-me os olhos num estado que parecia que tinha estado noites consecutivas a chorar, os cornetos nasais hipertrofiavam de tal forma que não entrava ar. Tinha vontade de fazer duas coisas: arrancar o nariz, fruto da intensa comichão que sentia e pegar nos meus olhinhos, coçá-los com um garfinho e pousá-los em algum sítio até que a tortura da primavera tivesse terminado. Os pulmões, esses, voltaram a queixar-se. A meio de uma aula teórico-prática começou a atuação do coro de Santo Amaro dos Felinos. Estava a fazer uma atividade de grupo com umas colegas que ficaram abismadas a olhar para mim quando ouviram aqueles sons, múltiplos mios de diferentes tons, a saírem de dentro da minha caixa torácica. Pensei para os meus botões "Patrícia, estás de volta às tuas origens". Foi o arranque para o regresso das crises de asma que tinham ficado adormecidas durante uns tempos.

Quando ligava para casa queixava-me do meu estado, estava exausta de viver daquela forma e perguntei se os meus pais estavam com condições financeiras que permitissem que recorresse a consultas de imunoalergologia privadas. Era impossível que os testes não fossem taxativos a confirmarem que as alergias estavam bem instaladas e podiam ser tratadas. Apesar do meu pai já estar de baixa, por causa do cancro, foi feito um esforço adicional para suportar a despesa. Não fazia sentido esperar pelos poucos fins de semana que vinha ao norte para ter consultas, então procurei na cidade onde estudava, uma clínica onde houvesse a especialidade.

Encontrei uma médica da qual gostei muito e realizei mais uma vez o teste Prick. Quando a minha pele manhosa foi picada para entrar em contacto com aquelas gotas seguiram-se uns minutos que pareciam um filme de ficção científica. Primeiro gerou-se vermelhidão local, depois inflamação nas zonas onde estavam os extratos aos quais era alérgica mas não se ficou por aí. Formou-se um conjunto de ramificações vermelhas como se pequenas toupeiras andassem debaixo da pele a cavar túneis. Na sala de espera, ao meu lado, havia uma senhora também a fazer o teste. Comparou o braço dela ao meu e disse que claramente ela não tinha alergias. Voltei para o consultório, foram feitos contornos às zonas reativas com esferográfica, decalcados com fita adesiva e colados no meu processo. Seguidamente realizei análises para avaliar as classes de alergia em que me inseria, fiz uma espirometria numa cabine (experiência extenuante que não apreciei) e iniciei terapêutica. Os níveis de alergia eram variáveis sendo que me encontrava na classe 6 para alguns tipos de gramíneas (a mais grave). Passei a tomar comprimidos, usava dois inaladores, fazia pulverizações no nariz e ainda gotas nos olhos. Gastava perto de 50 euros mensais em medicação mas voltei a ter uma vida praticamente normal. Havia efeitos secundários mas eram perfeitamente suportáveis. Tinha tremores nas mãos minutos após fazer as inalações, andava permanentemente rouca, as narinas ficavam extremamente secas ao ponto de começar a ter feridas no interior e sofrer algumas hemorragias, mas nada disso era mau em comparação com o estado em que tentava viver antes. Daí em diante, antes de iniciar o outono e a primavera, fazia a preparação medicamentosa para enfrentar essas estações. 

Quando chegou a altura de realizar o estágio perguntei à imunoalergologista se podia fazer vacina, porque ia precisar de usar a voz diariamente. A médica disse que como tinha várias alergias, esta solução não seria muito eficaz, mas dado que estava na classe 6 para as gramíneas, podia tentar imunizar-me a estas. Avancei então para as vacinas. Isso implicava ir durante 5 anos, a cada 4 semanas, ao centro de saúde de bolsa térmica em mãos e um plano de emergência escrito numa folha, para ser picada alternadamente 8 a 10 cm acima do cotovelo. Nos 30 minutos seguintes à administração da vacina tinha de ficar na sala de espera em vigilância, porque havia o risco de desenvolver um choque anafilático. A folhinha que trazia comigo tinha descrito como proceder no caso de se dar o choque. A vacina que fiz chamava-se Alergo Merck Formogoid Depo. Era preparada especificamente para mim em Espanha. Tinha de entrar previamente em contacto com o laboratório para encomendar mediante o envio da receita, era expedida refrigerada (não me recordo se era um estafeta que trazia a casa ou se eu ia buscar aos CTT) e o custo era de aproximadamente 150 euros. Dava para várias aplicações e podia pedir o reembolso de 50% do valor ao Estado. Acabava por ser mais económica que a parafernália de medicamentos que fazia. Havia o inconveniente de durante cerca de 3 dias após a administração, o braço estava inchado, quente e com uma urticária quase incontrolável, principalmente enquanto dormia. Nos primeiros 3 anos em que foi aplicada senti-me uma pessoa nova. Não me apercebia dos efeitos da primavera, abandonei toda a medicação que tomava. Nos dois últimos anos do tratamento com a vacina comecei a notar que, apesar de ainda estar a fazer imunização, os sintomas estavam timidamente a regressar. Ocasionalmente precisava de fármacos. Terminei a vacina em 2008 e desde então tenho vindo a piorar. Desenvolvi novas alergias, a asma tem-se mantido calma, apesar de ter regressado nos meses de junho, nos últimos 3 anos.

Ontem tive uma consulta e voltei a realizar o teste Prick. Ainda estou com alguma inflamação no braço e urticária. Reagi a ainda mais alergénios do que há 19 anos e, apesar de ter feito imunização às gramíneas não resultou ou o preparado da vacina era para outro tipo de gramíneas. A médica conseguiu deduzir por uma reação em concreto que não vivi sempre em Portugal e estive no norte da Europa. C'est vrai! Je suis né près de Paris et j'y ais passé plusieur années. Divido a minha vida em vários períodos, o primeiro foi passado fora de Portugal. Vão seguir-se análises sanguíneas tanto para avaliar a tolerância aos pólenes, fungos, ácaros, como para aferir alergias alimentares, porque reajo ao kiwi e também ao melão e meloa se estes estiveram bastante maduros. O teste cutâneo não é muito eficaz para avaliar alergias alimentares. Não deu nada para o kiwi, por exemplo. Tenho de fazer o inalador da asma de forma regular, já tenho comigo o pulverizador para o nariz que deverei usar quando começar o congestionamento, vou fazer vacina para a gripe se conseguir apanhar alguma na farmácia, vou tomar outra vacina na forma de comprimidos para complementar a da gripe, uma vez que tenho anualmente infeções respiratórias (este ano que passou não aconteceu, tinha feito vacina da gripe e depois houve o confinamento). Vou reavaliar a questão da asma com nova espirometria 🙄 Antes da espirometria serei chamada para me enfiarem um cotonete gigante até ao cerebelo, se não se generalizarem os testes rápidos de que andam a falar na comunicação social.

Como não podia deixar de ser, as hormonas e a tiróide vieram à baila. E porquê? Tenho alergia ao sol. Um dos sintomas é uma urticária violenta mal acabo de me expor ao sol. Se quiser fazer praia, uma burka será a indumentária mais segura para mim. Desisti de me resfastelar debaixo do astro rei, porque a tortura que vivia nos dias seguintes não compensava o estado malhado em que ficava. Quando ouso expor as minhas peles ao ar estou coberta com um pareo do meu tamanho, de cor clara, para não cozer. Atualmente, uma caminhada ao sol que dure mais de uma hora, em que esteja de manga curta ou cava, termina com urticária nos braços durante uns dias e um escaldão como se tivesse passado mais de meio dia com Lúcifer. E isto sob o patrocínio de um protetor solar 50+ de filtro mineral. A causa, fiquei ontem a saber, pode dever-se a uma tiroidite em que anticorpos do tipo igE vão atacar a tiróide libertando histamina. E a histamina causa o quê? Urticária! No teste Prick que fiz ontem reagi em força à histamina. Outro efeito das hormonas está relacionado com a asma. Quando as mulheres estão na adolescência, as mudanças hormonais podem traduzir-se no desaparecimento da asma ou na sua exacerbação. Quatro meses antes da menarca, no famigerado corte de relva, tive uma crise asmática muito forte que gerou todo um verão penoso. Sou daqueles casos que a asma não vai largar. Só espero que fique como está e não piore, que vivo muito bem como ela é atualmente.

E assim se escreve um loooongo post com pouco conteúdo mas que interfere no meu dia a dia.

2 comentários:

  1. As alergias tendem a piorar com a idade, excepto as alimentares que podem melhorar mas aparecer novas.
    EM miúda por vezes fazia alergia ao sol então passei anos em baixo de chapéus e de t-shirt na praia, até para a água. Eu ficava com comichão no peito fora os escaldões fáceis que fazia... Como sei que sou sensível não passo muito tempo ao sol, vou nas horas de menor calor, etc... tipo os putos.
    Força aí e que a asma se mantenha quietinha...

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  2. Desculpa estar a intrometer me. Mas estava a ler o teu blog. Tens a certeza que tens Asma? Tens infertilidade, problemas respirotorios a nascença, é algo provavel que pode ser discinesia ciliar primaria. Pesquisa beijinhos

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