sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Tabus e melindres

Falar de infertilidade pode significar derrubar o mais forte e alto dos muros, sem saber com o que contar do outro lado. Se chega uma altura em que se toma uma das decisões mais difíceis que é parar, o constrangimento em partilhar pode tornar-se colossal. Afinal de contas não se desiste de um filho, não é o que se diz?
Melindra ouvir/ler que alguém pôs termo à realização de tratamentos por livre e espontânea vontade? Acho que não tenho incitado ninguém a fazê-lo. Defendo há muito tempo que devemos definir até quando nós sentimos que é viável, persistir naquilo que desejamos com todas as forças, que é que dê certo. É absurdo pensar nisso? Não me imaginava a tentar até ao limite do que o meu corpo permitisse, continuar sem realizar esse grande sonho e ter perdido a oportunidade de ser feliz de outras formas. A mágoa está cá dentro, sim, não se esquece mas penso que vou a tempo de conseguir viver dias muito melhores do que aqueles que me atormentaram desde muito, muito cedo, a propósito da infertilidade.

Perdoem-me aqueles que acham que dá sempre certo. Oxalá fosse assim, nem me dava ao trabalho de partilhar tudo isto sabendo de antemão que o filho estava garantido.

Na página de uma apresentadora em ascensão li comentários de pessoas a lamentarem o facto dos programas televisivos das tardes divulgarem apenas histórias tristes, quando a maior parte dos seus telespectadores sofre de depressão. Pediam para dar destaque a histórias felizes. Estou também a dar conta noutros locais que o assunto do terminar livremente a realização de tratamentos pode ser visto como uma impertinência, causa alguma urticária (não compreendo o motivo tratando-se de uma decisão pessoal). Quando fui convidada para participar no extinto Programa da Cristina, passou-me pela cabeça exatamente isto de que estou a falar agora. O meu testemunho não ia ao encontro de quem quer alegria para combater a tristeza/solidão; se quer inspirar em finais felizes ou lutou até que o almejado filho chegou porque ele ia vir e desistir não faz parte do seu vocabulário.

Escrevi um post sobre pressão social, vou dar-me a liberdade de acrescentar à lista a história de que não se deve desistir. É feio? É errado? É sinónimo de fraqueza? Chacina a esperança a quem quer focar-se apenas no bom e descobre que há quem seja capaz de o fazer? Por acaso alguém está disponível ou apto para refazer o meu corpinho e torná-lo funcional? Devo arruinar-me física, emocional e financeiramente e enclausurar-me até ao fim dos meus dias com uma tristeza profunda, por ter sido incapaz de gerar e manter vida dentro de mim? Devo esconder que a Ciência ainda falha, porque há muito por descobrir?

Já cantava o senhor Jon Bon Jovi na música It's my life "I just want to live while I'm alive". Eu estava moribunda por tudo o que suportei, para depois de tudo o que consegui aguentar, o filho não ter chegado. O título do blogue não podia ser mais descabido para a minha história.

3 comentários:

  1. Eu acho importantíssimo o teu testemunho. Ainda que noutra escala, não me canso de partilhar a minha história no forum para que as meninas que optam pela doação de ovócitos não se iludam que é a fórmula mágica e que resulta há primeira. Nem sempre resulta à primeira e nem sequer é garantia que resulta. Mesmo para quem se depara recentemente com a infertilidade é importante conhecer todos os desfechos. É importante saber que nem sempre corre bem e que existem outras opções de se ser feliz. Espero que continues a partilhar o teu percurso de redescoberta pessoal. O teu caso não é o único. Ainda esta semana saiu na revista sábado outras testemunhos. Todas as opções são válidas e dar a jornada por encerrada é muito mais difícil do que continuar. Tens a minha profunda admiração.

    Quanto ao título do blog não me parece errado. Sei que chegarás... a paz, a felicidade. E vai chegar com toda a certeza.

    Beijinho grande

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  2. Uma das coisas que me fez alguma confusão, quando decidiste que para ti chegava de tratamentos, foi ler imensos comentários s dizerem para continuares. Foste clara! Chega!
    Decidir que chega é corajoso, tentar tanto quanto tentaste é corajoso, tentar menos também!
    Eu queria ter outro filho, deixei a pílula em Dezembro (felizmente apanhei a endometriose bem cedo e a minha SOP é muito ligeira e nunca me deu muitos problemas fora ciclos malucos) e dei por mim a pensar que voltaria a fazer IIU mas não queria recorrer a FIV. Claro que ajudou o facto de já ter tido uma filha fruto de IIU mas naquela manhã, a vir de bicicleta para casa, decidi que o meu limite eram 6 tratamentos de IIU, porque decidi que não queria ter anos de tratamentos, não queria ter anos de vida em suspenso e cronometrada ao dia.
    O que espero é que estejas em paz com a tua decisão, que consigas delinear um futuro feliz para ti, porque mereces e muito!
    Obrigada pelas partilhas, obrigada pela honestidade, se houvessem mais pessoas assim talvez a infertilidade fosse menos tabu e mais honesta, porque sim a ciência já faz muito mas não faz tudo, porque há muitas histórias de sucesso mas também há histórias que não acabam com uma gravidez a termo.

    Obrigada mesmo...

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  3. Totalmente de acordo com o comentário acima, sobre a incredulidade com que vi comentários a dizerem para continuar, quando tinha tomado a sua decisão e como se não tivesse direito a tomá-la. Posso até acreditar que foram de boa-vontade e no sentido de dar ânimo, mas... A sua luta já ia muito longa e, se dizia que estava na hora de voltar a investir em si mesma e de deixar de ter a vida em suspenso, ninguém tem que opinar o contrário. Tal como tentar engravidar, também deixar de o fazer deveria ser um processo altamente respeitado.
    Obrigada pelas lições, pela partilha e pela transparência. Aprendi muito sobre coisas que nunca me tinham passado pela cabeça. E aqui seguirei porque sei que chegarás onde é preciso para ser feliz.

    MM

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