quinta-feira, 10 de outubro de 2019

PMA no HSJ

Desde meados dos anos 90 que fui alertada para a necessidade de ajuda médica, caso pretendesse engravidar. Há muitos anos que estou ciente das listas de espera no serviço público, dos custos aproximados dos tratamentos e dos locais onde poderia realizá-los.

Mal tomámos a decisão de termos um filho, fui à minha médica de família manifestar essa intenção, porque eu necessitava de encaminhamento imediato. Tendo amenorreia (primária), o critério de um ano de relações desprotegidas até procurar ajuda especializada não se aplicava ao meu caso. O outro que indica apenas meio ano também não estava indicado, pois tinha apenas 31 anos. O HSJ era a minha escolha, tinha a convicção que por estar associado a uma universidade, poderia estar cientificamente mais avançado que outras unidades e eu pressentia que a minha situação não iria ser muito banal. Infelizmente vi-me obrigada a passar primeiro pelo HPH (da minha área de residência) tendo ocorrido falhas de encaminhamentos, consultas adiadas e tempos de empate, em que perdi perto de três anos até finalmente conseguir ir para o HSJ. Naquela altura uma médica de um local onde trabalhava disse que a partir dos 34 anos seria um pouco complicado ter acesso às consultas de PMA no HSJ, devido aos tempos de espera para os tratamentos pelo que restringiam o acesso. Felizmente não é assim, por isso quero tranquilizar quem não está a par da realidade.

Nas primeiras idas ao HSJ senti-me assoberbada. Primeiro porque nunca tinha lá ido e pode ser um autêntico labirinto para quem não conhece. Chegava com imenso tempo de antecedência para conseguir encontrar a horas os locais para fazer as colheitas de sangue. Ora eram nas consultas externas que é bastante confuso, ora na parte da Faculdade de Medicina, na área de Genética. Aí, para aceder a um corredor a dois metros de nós, não podíamos passar por uma porta à nossa frente. Tínhamos de ir ao piso -1 atravessar para o outro lado, depois subir, ou seja, uma confusão. Cada pessoa a quem pedíamos ajuda dava-nos uma indicação diferente e eu começava a pensar "no que raio me fui meter?".

Não fui muitas vezes ao pavilhão das consultas externas. Fiquei a saber que quando chegasse a altura de começar os tratamentos iria passar para o famoso piso 3 de Medicina de Reprodução. Quando veio essa fase perdi-me pelos corredores do hospital, pois apenas "dominava" a parte das consultas externas. Só quando saí do piso 3 pela primeira vez é que vi que ele tem um acesso super direto a partir do exterior, sem ter de passar pelos labirintos.

Chegados os primeiros tratamentos, fiquei um pouco desiludida com a falta de informações por parte da equipa médica. Fui percebendo com o tempo que a iniciativa teria de partir de mim para colocar questões, às quais nunca se negaram a responder, nem o fizeram com má vontade.

Desesperava com as horas infinitas na sala de espera mas apercebi-me que a máquina estava bem oleada, pois éramos chamados segundo uma ordem específica pelos diferentes profissionais. Só não acontecia numa sequência imediata. Havia e continua a haver vários regressos à sala de espera.

No dia em que iniciei a primeira FIV estava ansiosa. Tinha aguardado um ano por essa data e ao início da tarde era o funeral da minha avó. Sabia que ia fazer ecografia, ter consulta, realizar análises, ter ensino com a enfermeira e depois de sair do hospital ainda ia à farmácia comprar as injeções. Isso podia ocupar umas boas horas, às quais acrescia uma viagem de mais de 60km para ir ao funeral. Receava não conseguir chegar a tempo. Falei com a técnica administrativa que queria ir ao funeral e perguntei se era possível acelerarem um pouco. Foram todas impecáveis, fiquei muito tocada com o gesto delas, dado que tudo foi realizado praticamente de forma seguida.

Durante várias TEC notei que eram sempre colocadas as mesmas questões. Apesar de me reconhecerem nos corredores não se lembravam exatamente das minhas particularidades. Isso causou-me algum desânimo, uma vez que sentia que não estavam a prestar realmente atenção à diferença que estava a ocorrer face à maior parte das outras pessoas. Parecia que havia uma linha de montagem instalada e que sofriam da síndrome "Gabriela, Cravo e Canela", como dizia um professor que tive na universidade. O que ele pretendia exemplificar é que há pessoas que durante toda a sua carreira profissional trabalham da mesma forma, não estando abertos à mudança. A canção da Gal Costa referia "Eu nasci assim, eu cresci assim, e sou mesmo assim, vou ser sempre assim, Gabriela".

A equipa médica tem quatro pessoas em permanência. Três são maravilhosas, há outra que não me impressiona. Esta última trabalha numa das clínicas privadas referenciadas na área da infertilidade. Se eu procurasse alguém para me acompanhar a título particular não a escolheria certamente. Bater sempre na tecla do Decapeptyl para a preparação das TEC e afirmar cheia de convicção que o endométrio está pronto a descamar em um ou dois dias, o que nunca acontece, não me deixa confortável em relação a ela. Do ponto de vista técnico, já me "engravidou" duas vezes, salvo erro e acho que me fez uma punção. Em relação à atenção ao utente, no que diz respeito em saber realmente quem tem à sua frente, ainda não me convenceu, lamento.

Com os sucessivos falhanços gerou-se uma mudança nas suas abordagens e começaram a ouvir-me. A primeira pessoa a fazê-lo foi a diretora, com a qual várias utentes não simpatizam minimamente. Pois eu digo, ela é ESPETACULAR. Depois disto terminar pretendo que seja a minha ginecologista. A médica mais jovem da equipa vai dar cartas na investigação e está à frente da inovação do serviço, no que diz respeito às técnicas. Ela não sofre da síndrome que mencionei uns parágrafos acima. Certamente ela está a ter esse destaque devido ao apoio do resto da equipa.

A equipa de enfermagem tanto é o aconchego, como a dose de boa disposição que levanta o astral de qualquer um. Só tive um momento menos bom na primeira gravidez com uma afirmação demasiado frontal mas realista.

Não tive muito contacto com as biólogas mas foram sempre afáveis e otimistas.

Por fim, a minha S. Não deixei para o fim por ser menos importante. O serviço sem ela não seria o mesmo. Ela é EXCECIONAL! É o rosto do piso 3 - desenrascada, atenta, atenciosa, interlocutora, o colinho quente que nos conforta, a claque que nos levanta quando estamos caídos ou à espera de um resultado. A função de técnica administrativa é muito pouco para aquilo que ela representa no serviço.

Face a todo o meu percurso fracassado e a todas as revisões feitas ao processo digo convictamente que hoje sabem quem sou. Os tratamentos são feitos à minha medida e vibram com cada etapa ultrapassada. A probabilidade de sair do HSJ da mesma forma que entrei é grande. Não é por isso que vou sentir ressentimentos em relação ao meu acompanhamento lá. Sei que os conhecimentos atuais no campo da infertilidade ainda têm muito a evoluir. O hospital e as unidades de PMA, em geral, estão a agir de acordo com aquilo que a ciência lhes oferece. A aposta no empirismo é uma forma de tentar suprir as lacunas. O buraco negro que é a infertilidade inexplicada não o será a médio ou longo prazo, assim espero.

O serviço público de PMA não é uma aberração como tantas vezes se lê ou vê em diferentes meios de comunicação. Há restrições em termos de idade, número limite de tratamentos e tempos de espera pouco compatíveis com a idade reprodutiva, é uma verdade. Como já exprimi noutro local que não este blogue, as unidades públicas conseguem por vezes fazer omeletes sem ovos. Há dias maus no público mas no privado também não é tudo um mar de rosas. Quem faz os locais são as pessoas.

Se tiver de fazer uma recomendação de um hospital público para realizar tratamentos de PMA, aconselho o HSJ. Quem o escolher tem, no entanto, de estar disposto a ter tempos de espera mais prolongados que nos outros hospitais do norte, mesmo assim são inferiores aos de Lisboa, por exemplo. Louvo quem consegue estar mais de um ano à espera.

1 comentário:

  1. Eu também fui acompanhada em PMA no HSJ e realmente o serviço é bom, os tempos de espera infelizmente são o que são e as horas passadas na sala de espera chegam a ser desesperantes. Mas eu consegui o meu objectivo graças ao empenho de toda a equipa. A começar pela cara S. Que é realmente uma joia de pessoa,super humana e profissional de excelência. A directora de facto é de poucas palavras, mas foi ela que me "engravidou" quando fez a transferência. Uma das enfermeiras chegou a oferecer 1 café ao meu marido, sentindo que ele precisava de 1 aconchego na hora de ele dar o seu "contributo". Como em todo o lado há dias bons e menos bons. Mas há que reconhecer que no global o serviço prestado é de alta qualidade. Desejo de todo o coração que consigas o teu objectivo. Eu estou quase a conhecer o meu menino... ��

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