domingo, 27 de dezembro de 2015

A infertilidade dentro e fora de quatro paredes

A infertilidade é um problema do casal. Não deve haver complexos em partilhar aquilo que se está a sentir a esse respeito com o(a) parceiro(a).

Há uma dor que ultrapassa largamente o sofrimento físico que muitas vezes é infligido pelos tratamentos. Existe frustração, desânimo, tristeza, desespero, raiva, contudo a ESPERANÇA supera isso tudo. Tenho um enorme receio de desistir da esperança.

Quem se debate com a infertilidade deve estar preparado para lidar com o que vai ver, ouvir e dizer.

Ver porque, inevitavelmente, vamos passar a sentir-nos perseguidos pelos sucessivos baby boom à nossa volta. Seja no seio familiar ou no círculo de amigos, seja quando vamos a espaços públicos, só vamos ver grávidas, bebés, crianças, famílias radiantes. Cada gravidez se vai assemelhar a uma facada na alma, mesmo que queiramos o melhor para aquela família. Não é por inveja, é tão somente porque nos sentimos, mais uma vez, uns falhados.

Ouvir... Esta é talvez a parte mais sensível para quem está a viver a infertilidade.

Um casal infértil sabe muito bem as melhores condições para "fazer um bebé" quando a natureza é cooperante, até melhor do que quem engravida "sem querer" (a teoria da geração espontânea foi refutada no século XIX). Não é necessário explicar técnicas, momentos ou mezinhas. A infertilidade é uma doença. Agradecemos a boa vontade mas não se trata de incompetência ou falta de jeito.

Dispensamos também que nos digam se estamos ou não com condições para pensar em filhos. Seja por razões etárias, económicas ou de situação profissional, cada pessoa tem o seu tempo, aquele que considera que faz sentido tendo em conta o seu percurso de vida.

A ansiedade não justifica a infertilidade. Em todas as consultas que tive até ao momento, nenhum médico me disse "vou receitar-lhe um ansiolítico e depois vai para casa pôr em prática todas as técnicas infalíveis que já lhe ensinaram".

"Filhos?! Não sabes no que te vais meter! Diz adeus a noites descansadas. Vais deixar de ter vida própria e passarás a fazer tudo em função deles!" É curioso que a maior parte das pessoas que diz isto é pai/mãe. Por que não seguiram o conselho de quem lhes disse o mesmo, se a paternidade/maternidade é assim horrível?

Com grande frequência, principalmente quando há sucessivos tratamentos falhados, ouve-se "já ponderaram adoção?".
Normalmente quem o diz só tem filhos biológicos, nem tem intenção de adotar. Tiro o chapéu se quem faz essa afirmação avança com a adoção independentemente de ter o(s) seu(s) filho(s) biológico(s). Adoção é um ato de enorme generosidade, coragem, nobreza, altruísmo e merece o maior respeito. Não é um refugo destinado aos desgraçados que não têm outra forma de ter filhos. Enquanto estamos em tratamentos mostramos qual a nossa intenção, nessa altura. Não afirmo se adotaremos ou não, simplesmente porque nunca falámos sobre o assunto. A adoção ou o recurso à doação de gâmetas ou embriões não é algo que deve ser refletida de ânimo leve. É, a par da decisão em desistir de tratamentos ou da interrupção da gravidez por alguma complicação, dos momentos mais complexos que diz respeito ao casal.

Deveras interessante é quando quem, conhecendo a dificuldade e sofrimento associado à infertilidade, diz "Então! Só faltas tu!". Abstenho-me de comentários nesta situação.

Os leitores devem estar intrigados sobre o que poderão dizer para não ofender quem esteja a viver a infertilidade. Falo sobre o assunto com bastante abertura, não espero que me passem a mão pela cabeça. O mais importante, a meu ver, é que do outro lado haja disponibilidade para ouvir, para tentar perceber as etapas, pois não se resolve com um simples estalar de dedos. Quando se fala em siglas como IIU, FIV, ICSI, TEC, DGPI, palavrões hormonais, tudo isso é vocabulário que faz parte do nosso quotidiano e tem um significado concreto. As técnicas de Procriação Medicamente Assistida (PMA) não se resumem exclusivamente a pegar em amostras de material genético masculino e feminino e BOOM! gerou-se um embrião! Se a fórmula fosse apenas essa, não havia casais que durante vinte ou mais anos tentam ter um filho. Depois do que escrevi anteriormente não se sintam oprimidos ao ponto de não terem coragem de dizer nada!

O que se segue é para quem está na mesma situação que eu, ou seja, está a tentar combater esta condição. Vivemos permanentemente com aquela dúvida existencial "porquê eu?". Só tenho a dizer "porque sim". Não encontro justificação para esta injustiça.
Não devemos disparatar com quem não teve esta dificuldade ou não entende a nossa dor. Vamos focar-nos no nosso objetivo, manter a cabeça erguida, dizer a nós mesmos que fizemos o que estava ao nosso alcance para contrariar esta provação, independentemente do desfecho.

2 comentários:

  1. Olá! Vim aqui parar através de uma menina do forum de mãe para mãe que achou que me iria identificar contigo. Tinha razão! Estou em lágrimas ao ler este post. Estou no ínicio da luta e a deparar-me com obstáculos e o pro naturismo da minha genecologista que me stressa enquanto o tempo me foge por entre os dedos... Tenho Tiroidite de Hashimoto (hipotiroidismo, auto-imune), 34 anos, tomo Eutirox 75 e sou super irregular no periodo... A semana passada tive resultado do teste da hormona anti-mulleriana... 0,17 :( Não sei para onde me vire... acho que não ovulo (os testes dão negativo) e a minha médica quer q tome ovusitol mais uns meses para fazer eco na altura da ovulação. O meu distrito é Aveiro e por isso não serei reencaminhada para o Porto... quero um particular mas nem sei para onde me vire...
    Beijinhos

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    1. Olá, Diana! De facto há semelhanças mas mantém a cabeça fria (apesar de ser muito difícil), porque somos caixinhas de surpresas. Tendo em conta o que descreveste o mais preocupante é de facto a hormona anti-mulleriana, embora as portas não se fechem por causa desse resultado.

      A minha sugestão é que consultes outro profissional, porque não me parece que o Ovusitol vá ser milagroso. Poderá ser muito bom para algumas pessoas, mas havendo uma situação de hipotiroidismo, muita irregularidade nos ciclos e baixa reserva ovárica, esses meses poderão ser perda de tempo. Só comecei esse suplemento quando já estava a aguardar tratamento.

      Quanto a encaminhamentos, uma vez que és de Aveiro suponho que Coimbra (HUC), Gaia (CHGaia) e Porto (HSJ e CMIN) poderão ser hipóteses em que se calhar até te poderás pronunciar a quem tratar de o fazer. Como já deves ter percebido as listas de espera são o maior entrave, embora variem os prazos. Sei que na zona do Porto o HSJ é o mais demorado e posso dizer-te que estou realmente a gostar do acompanhamento. Não tem nada a ver com o primeiro hospital onde andei inicialmente. Tenho também uma boa referência de Gaia por alguém que conseguiu engravidar no ano passado, na primeira FIV.

      As clínicas que tinha no meu horizonte caso recorresse ao privado eram no Porto o CETI e a Clínica do Prof. Alberto Barros. Aqui entra a discrepância entre os custos a suportar e aquilo que se paga quando o processo é realizado no público.

      Com 34 anos e vários diagnósticos na mão não continuaria em consultas de ginecologia com pequenas experiências. O tempo passa a voar e eu que o diga. Comecei isto ainda com 31 anos e já estou com 36. Esta demora deve-se essencialmente aos condicionamentos do público em que 2 anos foram de espera e experienciazinhas para ver no que dava.

      Beijinhos e sabendo o que tens deves ser prática.

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